Título: Crises em série afetam governo de Cristina
Autor: Palacios, Ariel
Fonte: O Estado de São Paulo, 14/10/2012, Internacional, p. A16

Um ano depois de uma vitória retumbante na eleição que lhe conferiu um novo mandato, a presidente argentina Cristina Kirchner tem pouco a festejar. Reeleita com 54% dos votos vá­lidos, além de obter a obediên­cia de 22 dos 24 governadores, Cristina viu sua popularidade cair de 60% no momento da posse para os cerca de 30% atuais, segundo a consultoria Management & Fit.

A presidente começou seu no­vo mandato com uma oposição dividida, derrotada e despresti­giada. Diversos analistas afirma­vam que o kirchnerismo - defini­do como uma etapa superadora do peronismo - havia termina­do. "Começa o cristinismo", sus­tentavam na época. Neste mo­mento de glória, a deputada ultrakirchnerista Diana Conti pro­pôs o plano "Cristina Eterna", is­to é, a reforma da Constituição nacional, de forma a permitir que a presidente disputasse no­vos mandatos presidenciais em interminável seqüência.

Um ano depois, a situação é muito diferente. Os governado­res, que celebravam a vitória de Cristina, começam a irritar-se com apresidente, que não libera as prometidas verbas federais durante a campanha. Mais da me­tade das províncias estão à beira da falência, com problemas para pagar os salários ao funcionalis­mo.

"Citarei o cômico americano Groucho Marx, que dizia que a política é a arte de buscar proble­mas, encontrá-los em tudo quan­to é lado, diagnosticá-los de for­ma incorreta e aplicar neles os remédios errados. Cristina vi­rou uma especialista em afundar-se cada vez mais em problemas", afirmou ao Estado um deputa­do peronista.

Panelaços. O desafio à presi­dente Cristina foi expresso no dia 8 de setembro por uma série de panelaços convocados nas re­des sociais que levaram mais de 200 mil pessoas às ruas de Bue­nos Aires e outras 100 mil no res­tante do país para protestar con­tra a inflação, o aumento da cri­minalidade e a corrupção.

"O panelaço foi uma mobiliza­ção espontânea que pegou de surpresa o governo e a oposição. O governo tentou minimizar o tamanho da manifestação", afir­mou ao Estado Mariel Fornoni, da Management & Fit.

A escalada da inflação, cuja existência o governo nega, irrita de forma crescente os argenti­nos. Segundo o Instituto Nacio­nal de Estatísticas e Censos (Indec), a inflação acumulada des­de o inicio deste ano é de apenas 7,8%. Mas economistas indepen­dentes afirmam que a inflação "oficial" está maquiada e susten­tam que o índice real é de 18%.

Cristina também nega o cresci­mento da pobreza. Segundo o go­verno, o país tem somente 6,5% de pobres. Mas sindicatos e uni­versidades rejeitam os índices e calculam que a pobreza seria sig­nificativamente maior, já que - de acordo com cada estimativa - estaria entre 22% e 37%.

A presidente também está sen­do afetada pelos escândalos de corrupção que atingem diversos de seus ministros. Mas o golpe mais duro foi o Caso Ciccone que envolve seu próprio vice- presidente, Amado Boudou, em supostas negociatas com uma grafica que imprimia cédulas de pesos para a Casa da Moeda.

Fuga de divisas. Com a descon­fiança sobre o governo, a Argenti­na sofreu no primeiro semestre deste ano uma fuga de divisas de US$ 3,5 bilhões. Nos últimos cin­co anos e meio a fuga acumulada de divisas foi de US$ 81 bilhões, o equivalente a 1,8 vez as atuais re­servas do Banco Central. Parte do dinheiro que saiu do sistema financeiro foi para os "colchões" (forma usada para referir-se aos esconderijos domésticos para os dólares) e contas no exterior.

Em novembro, Cristina imple­mentou uma inédita norma de restrições ao dólar, refugio prefe­rido dos argentinos nos momen­tos de crise. O resultado das medidas foi o ressurgimento do mercado paralelo de dólares e os temores de maior intervencio­nismo na economia.

Sindicatos. A Confederação Ge­ral do Trabalho (CGT) foi, ao lon­go das últimas décadas, o supor­te sindical dos governos peronis­tas. No entanto, a CGT está atual­mente fraturada em três partes, das quais duas são antikirchneristas. A outra central, a Central dos Trabalhadores Argentinos (CTA), também está dividida em uma ala a favor do governo e outra contra. Os dois grupos convocaram uma greve nacional pa­ra dezembro e prometem respal­dar a oposição nas eleições parla­mentares do ano que vem.

Problemas externos. Cristina também acumulá problemas na esfera internacional, especial­mente com o Fundo Monetário Internacional (FMI), que publi­camente anunciou não acreditar nas estatísticas do governo. O or­anismo internacional deu um prazo até dezembro para que a Casa Rosada normalize a situa­ção. Caso contrário, aplicará pu­nições contra o pais.

Também persistem as pres­sões de credores que não aceita­ram as reestruturações da dívida pública após o calote de 2001. Es­tes credores recorreram a tribu­nais internacionais para conge­lar fundos do Estado argentino no exterior. Até poucos dias não haviam tido sucesso. No entan­to, no dia 2, conseguiram que a fragata "Libertad", o histórico navio-escola argentino, fosse re­tida no porto de Tema, em Gana.