Título: É preciso recalibrar as políticas, diz FMI
Autor: Kuntz, Rolf
Fonte: O Estado de São Paulo, 14/10/2012, Economia, p. B5

Fundo defende maior flexibilidade e mais espaço para o crescimento econômico na estratégia de ajuste fiscal dos países em dificuldades

É preciso recalibrar as políticas para arrancar a economia do atoleiro, proclama o Fundo Monetário Internacional (FMI), diante do risco de mais um ano - o quinto - de estagnação, desemprego em alta e tensão social.

A reunião anual do Fundo, realizada este ano em Tóquio, terminou com um apelo quase desesperado à ação. Depois de quatro anos de aperto fiscal, os países do mundo rico estão mais endividados do que antes, ainda exibem grandes buracos nas contas públicas e pouco avançaram nos programas de reformas discutidos longamente.

Os grandes emergentes, finalmente contaminados, também perderam dinamismo e essa mudança foi uma das grandes novidades de 2012. Na Europa, hoje o epicentro da crise, houve avanço na criação de instrumentos de política, mas falta usá-los e agir com mais rapidez, concluíram os ministros integrantes do organismo político mais importante da instituição, o Comitê Monetário e Financeiro Internacional (IMFC, na sigla em inglês).

Um raro toque de otimismo foi realçado pelo presidente do comitê, o ministro Tharman Shanmugaratnam, de Cingapura. As ações necessárias são conhecidas e a zona do euro agora dispõe de instrumentos mais poderosos - o recém-lançado Mecanismo Europeu de Estabilidade e a nova política do Banco Central Europeu de socorro aos países mais endividados.

Esse mesmo otimismo foi depois manifestado, numa entrevista, pelo ministro Guido Mantega. Mas é preciso passar à ação e, além disso, é ainda necessário avançar na implementação da união bancária e da articulação das políticas fiscais europeias. Também é indispensável afastar o risco de um aperto brutal nas contas públicas americanas em 2013 - um pesadelo conhecido, no jargão dos economistas, como "abismo fiscal". É urgente, resumiu Mantega, construir uma ponte para avançar da atual situação de desconfiança para uma fase de implementação das reformas de longo alcance.

A diretora-gerente do FMI, Christine Lagarde, conseguiu fazer da revisão das políticas fiscais um dos assuntos mais comentados e mais debatidos da semana. O tema foi objeto de uma discussão entre ela e o ministro das Finanças da Alemanha, Wolfgang Schaeuble, o grande linha dura da União Europeia, num espetáculo promovido pela BBC.

Segundo Schaeuble, é difícil dar credibilidade a um programa de ajuste voltado mais ao médio do que ao curto prazo. Lagarde insistiu em seu ponto de vista, desenvolvido em conjunto do o economista-chefe do Fundo, Olivier Blanchard.

O objetivo é sempre a arrumação das contas públicas, com redução do déficit e do endividamento, mas com maior flexibilidade. Pode-se deslocar a parte mais pesada do ajuste do começo para o fim, dando mais espaço, nos primeiros anos, para o crescimento econômico e a geração de impostos. Em alguns casos, pode-se aumentar o prazo para conclusão do trabalho.

Pela culatra. A política seguida nos últimos anos, comentou Mantega, foi um tiro pela culatra, porque o crescimento foi travado e a relação entre dívida e PIB aumentou para vários países. A ideia de uma estratégia mais flexível foi acatada, comentou o ministro, e foi incluída no comunicado do comitê. O mesmo comentário foi feito, com outras palavras, por Tharman Shanmugaratnam: houve "acordo completo", segundo ele, quanto ao foco no médio prazo. Ninguém mencionou uma possível resistência do ministro alemão. Talvez ele ainda rejeite a mudança, mas o fato político é inegável: a proposta de nova estratégia virou recomendação do IMFC.

A reforma interna do FMI, com redistribuição de cotas e votos, também foi um tema importante na reunião do comitê. A reforma aprovada em 2010 vai transferir cerca de 9% das cotas para países emergentes e em desenvolvimento, mas a implementação ainda depende da aprovação formal de alguns países. Com a mudança, a cota do Brasil passará de 1,72% para 2,3%.

A próxima alteração deve ocorrer nos próximos dois anos. O governo brasileiro defende uma revisão mais ambiciosa, com a adoção de uma nova fórmula de cálculo. Pela proposta do Brasil, seria dado muito mais peso ao tamanho de cada economia. O critério ideal levaria em conta só esse fator.

Por enquanto prevalece uma fórmula com quatro componentes: PIB (50%), abertura (30%), flexibilidade (15%) e reservas (5%). O debate pode acabar, segundo Mantega, numa solução de compromisso, com os 15% da flexibilidade transferidos para o PIB. Economias menores que as dos emergentes, mas com intenso trânsito comercial e financeiro, continuam resistindo.

Feito o balanço, uma das novidades mais notáveis é o afinamento das opiniões do governo brasileiro e do staff do FMI em relação à política fiscal mais recomendável para superação da crise - um novo compromisso entre flexibilidade e austeridade.