Título: Dois motores europeus em ritmos diferentes
Autor: Lapouge, Gilles
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/10/2012, Economia, p. B11

A reunião do Conselho Europeu, que se encerra hoje em Bruxelas, prenunciava-se tranquila. O que seria inusitado. Em geral, esses encontros se desenrolam num clima de tempestade. A Grécia se lamenta. A Espanha está indignada. A Itália chora. A certa altura, Angela Merkel costuma tomar a palavra e algumas decisões. Então, todos se acalmam. A única coisa que não se acalma, são os ventos que continuam soprando como num furacão, à espera da "próxima reunião de cúpula como último recurso".

Este ano, o céu está mais calmo. Há algumas semanas, a crise parece menos violenta. O euro volta a se valorizar frente ao dólar. Aliás, o francês, François Hollande, anunciou na quarta-feira com ênfase que "estamos muito próximos da saída da crise".

Será que a população grega não leu a entrevista de Hollande? Essa multidão parece acreditar que a crise desobedece a Hollande e continua fazendo das suas. De fato, multidões de gregos desesperados tomaram ontem as ruas afirmando que não conseguem mais suportar o impiedoso regime imposto por Merkel.

Além disso, há outra "pedra no sapato do euro": na época de Sarkozy, as coisas eram simples. O francês era a sombra da alemã. Nada disso existe hoje. Com Hollande, os dois motores da Europa não batem mais no mesmo ritmo. Merkel continua sendo a mesma virtuosa ortodoxa, talentosa e rígida que sempre foi. Por sua vez, Hollande se diz preocupado com as pessoas, recusa-se a estrangulá-las, segundo ele, crescimento e austeridade são igualmente importantes.

Nessas condições, é difícil tomar decisões, por mais urgentes que elas sejam. Por exemplo, Hollande pede uma "mutualização da dívida" mediante obrigações em euros, o que corresponderia a dividir entre todos os países e, particularmente, os países melhor administrados como a Alemanha, o risco financeiro decorrente da desordem e da leviandade das nações endividadas. Mas Merkel não quer ouvir falar desse mecanismo, a não ser que seja abrandado.

E há uma pergunta que já se coloca: o que aconteceu com as relações entre Merkel e Hollande? Com Sarkozy, não havia nenhum problema: os dois países caminhavam de mãos dadas, ao passo que Hollande cria dificuldades. Pior ainda, ele está convencido de que é um homem poderoso diante de um país poderoso. Em seu longo texto de quarta-feira, ele assumiu a posição de um líder: "Quero fazer aqui... Isto deve ser resolvido em tal data ... Quero que a França ajude rapidamente a Espanha", e assim por diante.

Ouviremos atentamente em Bruxelas Merkel e Hollande. Será que a chanceler alemã se mostrará bem-humorada, diante desse francês indócil? Sem dúvida, ela não perderá o controle porque é uma diplomata refinada e já fez frente a vários interlocutores (a começar, na Alemanha, pelo seu mentor, Helmut Kohl). Portanto, podemos imaginar que ela tentará bloquear a ofensiva Hollande, mas por meios sutis, pouco visíveis, e sem levantar a voz.

Finalmente, há um elemento psicológico que torna difícil decifrar as relações entre Merkel e Hollande: ocorre que estes dois personagens têm um grande respeito recíproco. Eles têm o mesmo estilo sóbrio: nada de familiaridades, hábitos de vida austeros, sem estardalhaço; O paradoxo é exatamente este: Merkel tinha dificuldade em suportar as familiaridades, as vulgaridades de Sarkozy, mas os dois adotavam uma política comum. Ao contrário, ela parece apreciar o discreto Hollande, sem brilho, invisível, entretanto, suas visões políticas são muitas vezes antagônicas.