Título: Obama e Romney travam disputa silenciosa pela Suprema Corte dos EUA
Autor: Dias, Cristiano
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/10/2012, Internacional, p. A10

Mudança. Provável saída de juizes dará ao vencedor da eleição poder para romper equilíbrio no mais importante tribunal do país e determinar futuro de temas como aborto, casamento gay, direito das mulheres, financiamento de campanha e reforma do sistema de saúde

Nenhuma das campanhas fala abertamente sobre o assunto, mas quem vencer as eleições, daqui a 16 dias, terá o poder de mudar a direção da Suprema Corte dos EUA e determinar o futuro de assuntos importan­tes, como aborto, casamento gay, direito das mulheres, fi­nanciamento de campanha e reforma do sistema de saúde.

Na quinta-feira, por 2 votos a 1, uma corte de apelação dos EUA determinou que a Lei de De­fesa do Casamento (Doma, na si­gla em inglês), que o define co­mo a união entre um homem e uma mulher, é inconstitucional. A decisão significa que o caso se­rá julgado em breve pela Supre­ma Corte.

Nos próximos quatro anos, ou­tras questões fundamentais pas­sarão pelo tribunal. A mais em­blemática deve ser o processo Roe versus Wade, o direito cons­titucional das mulheres de optar pelo aborto. Em setembro, o re­publicano Mitt Romney, em en­trevista ao programa Meet the Press, da rede NBC, disse que apoia a revisão do caso.

Roe versus Wade foi uma deci­são tomada em 1973 por 7 votos a 2. Se voltasse à corte agora, no entanto, sobreviveria por ape­nas 5 votos a 4 - o juiz Anthony Kennedy, embora nomeado pe­lo republicano Ronald Reagan, se diz favorável ao direito de aborto.

O mandato dos magistrados é vitalício e eles só deixam o cargo se quiserem - normalmente, se­guram a aposentadoria até que assuma um presidente com o qual tenham afinidade ideológi­ca. Se Barack Obama for reeleito, por exemplo, especialistas apostam que a juíza mais velha da Suprema Corte, Ruth Bader Ginsburg, de 79 anos, que segue a linha democrata, deve se aposentar.

Equilíbrio. No entanto, dos nove magistrados - incluindo Ruth, que sobreviveu a dois ti­pos diferentes de câncer -, quatro têm mais de 74 anos e uma mudança pode ocorrer de maneira rápida e inesperada, alterando o equilíbrio do tribunal.

"Como alguns já passaram dos 70 anos, a decisão de deixar a Suprema Corte pode não ser uma questão de escolha. Eles po­dem ficar velhos demais para rea­lizar o trabalho", disse o jurista Jeffrey Toobin ao programa The Last Word, também da NBC. "Se a juíza (Ruth) Ginsburg, que teve tantos problemas de saúde, deixar o posto durante uma even­tual presidência de Romney, te­nho certeza de que (o caso) Roe versus Wade será derrubado."

John Eastman, professor de di­reito da Universidade Chapman, da Califórnia, acredita que haverá de uma a três mudanças na Suprema Corte nos próximos quatro anos. "Quem indicar es­ses substitutos, vai alterar dra­maticamente a direção do tribu­nal", disse.

Outro tema que provavelmen­te passará pela Suprema Corte nos próximos quatro anos são as regras para financiamento de campanha. Obama se opôs ao si­nal verde dado pelo tribunal pa­ra que grandes empresas pudes­sem realizar doações ilimitadas para campanhas políticas. Com uma formação mais liberal, essa decisão poderia ser revista.

Outro ponto de fricção: Romney apoia a simulação de afogamento como técnica de interro­gatórios de suspeitos de terroris­mo e disse que pretende dupli­car a capacidade da Base de Guantánamo. Uma Suprema Corte mais conservadora, com um ou dois juizes apontados por ele, poderia restringir a capacidade dos presos de recorrer a tribunais americanos e evitar o fechamento da prisão.

Espera-se que a reforma do sis­tema de saúde, conhecida como Obamacare, também seja reava­liada pela Suprema Corte, espe­cialmente caso a vitória do repu­blicano signifique novos magis­trados conservadores no tribu­nal.

Silêncio. Curiosamente, a in­fluência do próximo presidente na formação da Suprema Corte não tem sido abertamente discu­tida durante a campanha. Para Garrett Epps, professor da Uni­versidade de Baltimore, o assun­to não interessa a nenhum dos dois candidatos.

"Obama não gosta de falar so­bre tribunais. Sua política é cen­trada no Congresso e na presi­dência", disse. "No caso de Rom­ney, ele sabe que não pode discu­tir o tema, porque daria aos de­mocratas munição para dizer que seus novos juizes derruba­riam Roe versus Wade, erro que um candidato que busca o voto feminino não pode cometer."