Título: Câmbio e tarifa: as duas faces da mesma moeda
Autor: Fonseca, Roberto Giannetti da
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/10/2012, Economia, p. B2

É muita hipocrisia de algumas autoridades de países desenvolvidos vir a público acusar o Brasil de práticas protecionistas por causa da recente elevação I de tarifas de 100 produtos importados, em média de 12% para 25%.

Em primeiro lugar, cabe destacar que tal medida está integralmente amparada pelas regras da Organização Mundial do Comércio (OMC), e, portanto, o Brasil segue sua tradição legalista de respeitar os compromissos e as disciplinas assumidas perante organismos multilaterais. O mesmo já não podemos afirmar dos Estados Unidos e da União Europeia.

Os Estados Unidos, por exemplo, seguem desafiando a OMC com seus subsídios agrícolas ilegais já condenados pela OMC no famoso caso do algodão, no qual preferem compensar financeiramente o Brasil a corrigir suas práticas desleais de comércio definitivamente condenadas.

O mesmo ocorre com a União Europeia no caso da Política Agrícola Comum e, em especial, no caso das exportações de açúcar para fora do bloco europeu, em flagrante desrespeito e desafio à OMC. A União Europeia adotou, nos últimos cinco anos (2007-2012), 302 medidas discriminatórias contra produtos importados de fora do bloco europeu. Consta que no mesmo período o Brasil tenha adotado 54 medidas de natureza protecionista, muito embora exclusivamente de elevação tarifária e todas compatíveis com as regras da OMC, o que é mais relevante.

Mas a margem de proteção efetiva de uma economia não se mede apenas por medidas tarifárias que restringem parcialmente as importações que concorrem com seus produtores locais, e que no fundo nada mais são do que armas de uma guerra internacional por renda e empregos. Nos últimos tempos, uma nova arma protecionista muito mais sutil e poderosa tem sido usada pelos grandes players internacionais, que é a taxa de câmbio. A chamada desvalorização competitiva do câmbio, que encarece diretamente as importações e barateia as exportações, não é regulada por nenhum organismo multilateral. Daí resulta que muitos países têm manipulado a sua taxa de câmbio de forma explícita, como é o caso da China e de muitos países asiáticos, ou de forma implícita, por meio de políticas monetárias expansionistas, como é o caso dos Estados Unidos e da União Europeia. A chamada guerra cambial é a outra face obscura da mesma moeda, a guerra comercial por mercados, renda e emprego, aguçada pela crise econômica internacional que prevalece nos últimos anos.

O Brasil foi um dos países da América Latina que mais aprofundaram e diversificaram a sua estrutura produtiva industrial no período pós-guerra. Ocorre que, nos últimos 17 anos, sofremos longos períodos de sobrevalorização cambial e de gradativo aumento da carga tributária e perdemos competitividade produtiva e logística. A indústria brasileira passa, hoje em dia, por uma grave crise de competitividade que transcende essa questão cambial e tem raízes estruturais numa série de deficiências públicas e privadas que precisam ser corrigidas com perseverança, criatividade e ousadia.

Entendemos que algumas políticas introduzidas pelo Plano Brasil Maior, como a desoneração da folha de pagamentos da indústria de transformação e o Reintegra, que promove o ressarcimento de resíduos tributários ocorridos nas cadeias produtivas exportadoras, poderiam se tornar permanentes, de forma a gerar legítima competitividade sistêmica às exportações brasileiras. Outras medidas, como a desoneração tributária de investimentos em modais logísticos e a redução do custo da eletricidade, trarão em breve ganhos de competitividade ao setor produtivo nacional.

Enquanto amadurecem as recentes medidas de ajuste competitivo, o que cabe discutir agora é se seria legítimo assegurar um nível de proteção razoável à indústria nacional para que se preservem por um período de tempo a produção e o emprego, ou, alternativamente, em nome de uma ingênua ideologia de livre comércio, permitir um gradual declínio da atividade industrial, ando margem para que as importações de manufaturados capturem a cada dia uma maior parcela de nosso mercado doméstico, gerando emprego e renda nos seus países de origem.

A resposta me parece óbvia - mesmo sabendo que corro o risco de ser tachado por alguns como um protecionista radical e reacionário. Praticar política industrial em tempos de crise já não é uma opção ideológica, é uma necessidade estratégica de sobrevivência do setor produtivo, diante do risco de ruptura de cadeias produtivas consolidadas. Portanto, cabe ao governo federal ter o bom senso de calibrar as medidas tarifárias e de defesa comercial na dose certa, sem abusos e excessos protecionistas, mas também sem receio de críticas dos países concorrentes que se sintam prejudicados. Como diz o velho e sábio provérbio, a diferença entre o remédio e o veneno está exatamente na dose ingerida pelo paciente, e sabemos que, neste caso, protecionismo demais também faz mal.

ECONOMISTA E EMPRESÁRIO, DIRETOR TITULAR DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS E COMÉRCIO EXTERIOR DA FEDERAÇÃO DAS INDÚSTRIAS DO ESTADO DE SÃO PAULO (FIESP), É PRESIDENTE DA KADUNA CONSULTORIA