Título: Apoio da família é fundamental para adolescente se submeter à bariátrica
Autor: Thomé, Clarissa
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/10/2012, Vida, p. A13

As consultas com endocrinologista e nutricionista começaram cedo para Juliana Guimarães Ro­cha - aos 4 anos. Era uma criança fora dos padrões. E a situação se agravou. Na adolescência, repe­tiu o 1.° ano do ensino médio por não ir às aulas. Evitava sair de casa: tinha a impressão de que todos a olhavam. Na escola, era vítima de perseguição dos cole­gas. Passou, então, a se isolar. Nem os amigos a convidavam mais para sair. Ela tinha 16 anos e pesava 136 quilos "e meio", co­mo faz questão de ressaltar.

Foi nessa época que começou a freqüentar as reuniões do gru­po de obesidade de uma clínica de cirurgia bariátrica. Ficou en­cantada com as fotografias de "antes e depois" dos pacientes e chamou o pai, também obeso, pa­ra os encontros. "O médico não queria me operar. Disse que meu pai faria a cirurgia primeiro por­que queria que eu visse tudo o que podia me acontecer. Mas eu estava decidida", conta Juliana, que já estava sob acompanha­mento psicológico havia um ano.

Juliana foi operada seis meses depois da primeira consulta, com autorização especial do Conselho Regional de Medicina (CRM), recomendação da psicó­loga, e termo de responsabilida­de assinado pelos pais. Emagre­ceu 50 quilos. "Passei a ter vida, porque antes eu não tinha vida", resume, aos 21 anos, a hoje estu­dante de Hotelaria.

Para operar na rede particular, um adolescente já não precisa de autorização especial - o Conse­lho Federal de Medicina (CFM) regulamentou a questão em 2010. O Ministério da Saúde abriu em setembro consulta pú­blica para mudar a portaria que trata da cirurgia bariátrica nos hospitais do Sistema Único de Saúde (SUS) - entre as modifica­ções está a redução da idade mí­nima para 16 anos. As novas re­gras devem entrar em vigor no ano que vem.

O ministério se baseou nos da­dos da Pesquisa de Orçamento Familiar de 2009. O levantamen­to feito pelo IBGE apontou que 27,6% das pessoas de 10 a 19 anos apresentavam excesso de peso ou obesidade. Em 1975, 3,7% estavam acima do peso e não havia registro de obesidade para essa faixa etária.

Apesar de regulamentada, a ci­rurgia bariátrica em adolescen­tes é a última opção dos médi­cos. "É preciso ser mais rigoroso e observar se o paciente está na idade fisiológica certa. A cirurgia diminui a nutrição e a absorção do cálcio, o que pode provocar problemas no desenvolvimen­to", alerta o cirurgião Gid Pitombo, coordenador do programa de cirurgia bariátrica do Hospi­tal Estadual Carlos Chagas.

O serviço é apontado como modelo na rede pública pela So­ciedade Brasileira de Cirurgia Ba­riátrica e Metabólica. Conta com cirurgiões, nutricionistas e psicólogos e opera dez pacientes por semana por videolaparoscopia, o que fez zerar a fila no Rio de Janeiro.

Imaturidade. Outro ponto que faz os médicos adiarem a cirur­gia é a imaturidade - o pós-opera­tório e os anos seguintes exigem comprometimento do paciente. "O adolescente é pior de tratar porque ele já está vivendo uma crise pessoal, que é a do amadure­cimento, além da questão da obe­sidade. Já vi acontecer uma espé­cie de comportamento vingati­vo e compensatório - a pessoa quer viver tudo o que nunca vi­veu", conta o cirurgião Fábio Viegas. "Tive uma paciente que pas­sou a fazer sexo com vários par­ceiros, inclusive namorados de amigas, e acabou se tornando soropositiva."

Apesar de todo o acompanha­mento psicológico no Carlos Chagas, o eletrotécnico Luiz Al­berto Kron, de 18 anos, conta que chegou a pensar em abando­nar os cuidados pós-operató­rios. Na primeira consulta, tinha 17 anos e 136 quilos. Na época, usava uma roupa de manhã e la­vava à tarde, para poder repeti-la àn oite. "Nada cabia". Fez a cirurgia aos 18 e perdeu 60 quilos. Depois da cirurgia, ele quis desistir da dieta que restringia principal­mente gordura e doces.

"Eu estava emagrecendo, mas não acreditava. Achei que nunca fosse me acostumar a comer pou­quinho, os alimentos certos. Meu pai, que operou dois anos antes de mim, segurou minha on­da", conta Luiz Alberto.

O apoio da família também foi fundamental para que o trata­mento de Juliana desse certo. "Quando eu pude começar a fa­zer caminhadas, minha avó me acompanhava para me incenti­var. Meu pai também pagou personal trainer por dois anos. Só depois disso me senti à vontade numa academia", conta a jovem, que ficou feliz quando o atual na­morado não acreditou que ela ti­vesse sido obesa.

Os especialistas são unânimes em defender o envolvimento da família ao longo do processo. "As vezes, a família se ressente. O adolescente que cuidava do ir­mão menor, que estava sempre disponível, passa a ter vida pró­pria. Pode acontecer uma vigilân­cia desagregadora: "Vai comer is­so?", "Você vai beber?". E o adoles­cente percebe como crítica, co­brança", afirma Viegas.