Título: A colheita fiscal da crise
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 29/10/2012, Notas e Informações, p. A3

A crise da indústria chegou aos cofres federais, derruban­do a receita de impostos e contribui­ções e dificultando o cumprimento da meta fiscal estabelecida pelo governo. A arrecadação de setembro, de R$ 78,2 bilhões, foi 1,1% menor que a de um ano antes, des­contada a inflação. Foi a quarta queda mensal consecutiva, nesse tipo de comparação. O crescimento real acu­mulado no ano ficou em 1,9%. Pela projeção anterior da Secretaria do Tesouro, o governo poderia recolher neste ano até 2% mais que em 2011, em termos reais. Diante de números bem piores que os previstos, a esti­mativa foi revista. A expectativa, ago­ra, é de um aumento mais próximo de 1,5%, segundo o coordenador de previsão e análise da Receita Federal, Raimundo Elói de Carvalho. Apesar do cenário econômico adverso, o re­sultado de setembro foi frustrante, segundo ele. Mesmo assim, o secretá­rio da Receita, Alberto Barreto, pro­curou exibir algum otimismo. Há si­nais de reativação, segundo ele, e a ar­recadação deverá evoluir em ritmo mais satisfatório em 2013. Pode ser, mas isso dependerá de uma recupera­ção substancial da atividade produti­va, principalmente da indústria de transformação. Até agora, os sinais positivos são muito moderados, ape­sar do crédito farto e dos incentivos fiscais concedidos pela Fazenda.

Esses incentivos custaram ao Te­souro R$ 2,2 bilhões em setembro, segundo tabela apresentada pelo se­cretário. Com o parcelamento de im­postos atrasados, benefício vincula­do ao programa Refis, a renúncia chegou a R$ 3,1 bilhões. Essas con­cessões serão compensadoras, em te­se, se contribuírem para a reanima­ção dos negócios e para o recolhi­mento de tributos em atraso.

Os efeitos do Refis têm sido até agora muito limitados, como confir­mam os balanços divulgados de tem­pos em tempos pelas autoridades. Grande parte das empresas inscritas continua sem pagar e apenas se be­neficia de uma trégua temporária nas relações com o Fisco. Quanto aos estímulos anticrise, favorecem alguns segmentos da indústria, co­mo o automobilístico, mas pouco têm ajudado os demais.

Em julho, como lembrou o secretá­rio da Receita, a produção industrial foi 5,5% menor que a de um ano antes. Em setembro, a diferença havia recuado para 1,9%. Houve melhora, sem dúvida, mas o número continuou negativo, com a maior parte das atividades ainda estagnada.

O impacto fiscal da crise é muito claro, quando se examinam os números acumulados de janeiro a setembro. Descontada a inflação, os tributos arrecadados sobre extração de minerais metálicos, combustíveis, instituições financeiras, fabricação de veículos, metalurgia, telecomuni­cações, transporte aéreo, produção têxtil e fabricação de alimentos e de produtos metálicos, exceto máqui­nas e equipamentos, foram todos me­nores que os do ano passado.

No entanto, o consumo cresceu vi­gorosamente. Indicadores oficiais e privados confirmaram essa tendên­cia ao longo do ano e o contraste en­tre consumo e produção industrial aparece também na análise divulgada pela Receita. Em julho, de acordo com uma das tabelas, as vendas de bens e serviços foram 12,3% maiores que as do ano anterior. Em setem­bro, a diferença aumentou para 15,7%. Nesse mês, a massa de salá­rios foi 13,7% maior que a de setembro de 2011.

As tabelas mostram também para onde foi a diferença entre o consu­mo e a oferta interna. Entre janeiro e setembro, o valor das importações foi 0,8% maior que em igual período de 2011. As compras externas perde­ram ímpeto nos últimos meses, mas continuaram, apesar disso, absor­vendo uma parcela importante da demanda.

Isso se refletiu também na arreca­dação. Até setembro, a tributação das importações rendeu R$ 35,2 bilhões, 14,8% mais que no ano anterior, em termos reais, enquanto os impostos sobre a produção diminuíram.

Os números da Receita Federal confirmam, portanto, algo há muito tempo evidente para quem observa os fatos com alguma atenção: o go­verno concedeu estímulos genero­sos ao consumo, sem, no entanto, oferecer ao setor produtivo melho­res condições para acompanhar a de­manda. Os poucos estímulos foram localizados e de alcance restrito. O resultado é inequívoco.