Título: ‘PC chinês perdeu a autoridade moral’
Autor: Trevisam, Claudia
Fonte: O Estado de São Paulo, 29/10/2012, Internacional, p. A13

O Partido Comunista da China quase não tem mais autoridade moral diante da população e precisa fazer reformas de natu­reza política para amenizar o risco de instabilidade social, afirma Kerry Brown, diretor executivo do China Studies Center da Universidade de Sid­ney e autor de vários livros so­bre o país, entre os quais uma biografia do atual presidente, Hu Jintao. Segundo ele, a crise moral do partido foi agravada pela reportagem do jornal The New York Times segundo a qual a família do primeiro-ministro Wen Jiabao possui uma fortuna estimada em US$ 2,7 bilhões. Brown estará em São Paulo no próximo mês para participar de conferência organizada pelo Conselho Empresarial Brasil- China. A seguir, trechos da en­trevista:

Em que os futuros líderes da China se diferenciam dos atuais?

Eles têm em comum as memó­rias da Revolução Cultural. A di­ferença é que a nova geração não é de tecnocratas. Eles têm formação em ciências políticas ou sociais. Outra característica dos futuros líderes é que toda sua carreira foi feita no Partido Comunista. É como uma com­panhia que só promove as pes­soas que estão dentro dela. Po­demos nos perguntar onde está a voz das pessoas que não são membros do partido.

Qual o tamanho dessa exclu­são?

O partido tem cerca de 84 mi­lhões de membros, o tamanho de muitos países. Mas 93% da população chinesa é de não membros do partido. E uma imensa organização, mas uma pequena minoria na China. Por isso, a maneira como o partido governa a si mesmo e a credibili­dade moral que possui diante da sociedade são importantes. Histórias como a que o The New York Times publicou sobre a ri­queza da família de Wen Jiabao são o tipo de coisa que prejudi­cam a imagem do partido. On­de está a autoridade moral?

O partido continua a ter autori­dade moral?

O partido quase não tem mais autoridade moral. Ele tem legiti­midade histórica e a legitimida­de dada pelo crescimento eco­nômico. Mas há um patamar ex­tremamente elevado de cinis­mo em relação à elite política. A conexão entre o partido e a po­pulação está contaminada e es­sa é uma questão que os futu­ros líderes terão de enfrentar. Os líderes atuais deixarão pro­blemas imensos para os suces­sores. Eles conquistaram uma coisa, que é o crescimento. Mas eles não deixarão nada em ter­mos de reforma política, estado de direito, sociedade civil. Foi um período muito estéril. Uma crise pode ser suficiente para provocar grande instabilidade, porque o sistema é frágil e há frustração com o fato de a elite política não ter feito um melhor trabalho na área de reformas políticas. Quando olhamos o período recente, a impressão é que a instabilidade foi enfrentada com a expansão do apara­to de segurança.

Por que é tão importante reali­zar reformas?

A nova administração vai ter de enfrentar ineficiências na economia e no governo. No centro disso estão as ineficiências do próprio partido, que tenta administrar uma economia moderna, dinâmica e com­plexa com um sistema emprestado da União Soviética no sé­culo 20.

Como a China pode se tornar um país de renda média com ineficiências como as atuais em termos de processo de decisão, de transparência, de sistema de governo para um país moderno e não para uma organização ve­lha, centralizada e estalinista?

É necessário haver mudanças. Isso não significa que eles de­vam ter uma democracia multi-partidária. Mas eles têm de ado­tar um sistema que seja mais transparente, previsível e com base em leis.

Qual a probabilidade de que a futura geração realize reformas?

E impossível dizer até que eles cheguem ao poder e provavelmente será difícil dizer por al­gum tempo. A nova liderança te­rá de ter muita vontade e capi­tal político para enfrentar as di­fíceis questões relacionadas às reformas e não sabemos se eles terão isso.

Qual será o legado de Hu Jin­tao?

Espetacular crescimento do PIB e consenso político. Mas a desigualdade e a reforma políti­ca não foram enfrentadas em seu mandato. Se a China se tor­nar um país de renda média sem grande instabilidade políti­ca, sua herança será julgada de maneira positiva. Mas se hou­ver instabilidade, seu período será visto como uma oportuni­dade perdida.

De que depende o legado?

Do seu sucessor. E é muito ce­do para um julgamento. Acredi­to que há três cenários possí­veis. O primeiro é de mudança decorrente de uma crise, o que provocaria rupturas e teria con­sequências muito negativas pa­ra a China e o mundo. O segun­do é a manutenção da situação atual. Mas o status quo sempre chega ao fim. É possível que nos primeiros dois ou três anos a situação seja mantida, mas é quase certo que começaremos a ver mudanças depois disso. O terceiro é o que ocorreu em 1978 (com as reformas econô­micas de Deng Xiaoping): um big bang, quando algo realmen­te importante e inesperado acontece.