Título: China ensaia mais ampla troca de líderes
Autor: Trevisam, CLaudia
Fonte: O Estado de São Paulo, 28/10/2012, Internacional, p. A6

O Partido Comunista da China realiza em menos de duas semanas o congresso que definirá a mais ampla mudança no comando do país em uma década. A identidade da maioria dos futuros dirigentes já é conhecida, mas há dúvidas quanto à disposição e ao espaço que terão para as reformas consideradas necessárias para manter o crescimento da segunda maior economia do mundo e a sobrevivência do regime no longo prazo.

Os nomes dos novos presidente e primeiro-ministro estão decididos desde 2007, mas pouco se sabe dos planos de Xi Jinping e Li Keqiang para o país. Na obscura e feroz luta pelo poder no partido, o sucesso depende em grande parte da habilidade dos candidatos de não cometer erros nem se indispor com as diferentes facções da organização - o que demanda talento para administrar o silêncio.

Há uma crescente pressão por mudanças nos campos político e econômico, mas existe resistência poderosa de setores conservadores e de grupos de interesse, como as empresas estatais, cujos domínios se ampliaram em anos recentes.

"Como não houve mudanças na última década, ocorreu acúmulo de um grande número de conflitos e problemas, o que também traz obstáculos às reformas. Não será uma tarefa fácil para a futura geração de líderes, já que as mudanças afetarão interesses de muitos grupos", diz o analista político Zhang Lifan, ex-integrante da oficial Academia Chinesa de Ciências Sociais.

Apesar de ter presenciado a ascensão da China ao posto de segunda maior economia do mundo, os dez anos de gestão da dupla Hu Jintao e Wen Jiabao foram marcados pela quase paralisia no processo de reformas econômicas que desencadeou o crescimento chinês a partir de 1978.

No campo político, não houve só paralisia, como retrocesso em algumas áreas, acompanhado da enorme expansão do aparato de segurança interno. Desde 2008, houve aumento da repressão a dissidentes e ativistas em províncias com problemas étnicos, principalmente Tibete e Xinjiang.

O modelo de crescimento com base nas exportações e maciços investimentos dá sinais de esgotamento, refletido na desaceleração do PIB, que deve fechar o ano com alta ao redor de 7,4%, a menor desde 1990. Reformistas afirmam que o governo deve ampliar o espaço do setor privado e abrir setores hoje monopolizados pelas estatais para dinamizar o crescimento.

Na área social, houve brutal aumento da desigualdade e agravamento dos conflitos relacionados ao desenvolvimento econômico, entre os quais estão as demolições e desocupação de terras com uso de violência e sem pagamento de indenização adequada.

Apesar da maior prosperidade material, há ressentimento em relação à corrupção e aos privilégios dos dirigentes do partido e seus parentes, que ficaram evidenciados no escândalo que levou à queda de Bo Xilai, ex-dirigente da megacidade de Chongqing.

Na sexta-feira, The New York Times publicou reportagem segundo a qual a família do primeiro-ministro Wen Jiabao possui uma fortuna de US$ 2,7 bilhões. Se fosse controlado por uma só pessoa, o valor seria suficiente para obtenção do 442.º lugar na lista das pessoas mais ricas do mundo da revista Forbes.

Os próprios dirigentes chineses repetem de maneira incessante o mantra da necessidade de reformas, de estabelecimento de um estado de direito e de continuidade da abertura econômica. Mas, nos últimos anos, o discurso não foi acompanhado de transformações concretas.

"O 18.º Congresso do Partido Comunista está sendo realizado em um momento importante, já que a China está trabalhando para construir um sociedade moderadamente próspera em todos os aspectos, aprofundar a reforma e abertura e acelerar a transformação de seu modelo de desenvolvimento", afirmou documento divulgado no início da semana depois de reunião do Politburo, o organismo de 25 integrantes que ocupa o segundo lugar na hierarquia política chinesa, abaixo de seu Comitê Permanente.

O mesmo encontro decidiu que a Constituição do partido será emendada durante o congresso, mas não houve detalhamento das mudanças.

O professor David Shambaugh, da George Washington University, acredita que a maioria dos integrantes do futuro Comitê Permanente do Politburo terá um perfil reformista, o que poderá dar novo impulso ao processo de mudanças das instituições chinesas.

"Nos últimos três a quatro anos, houve uma clara guinada no Partido Comunista que favoreceu as forças conservadoras/esquerdistas, que se opõem a reformas econômicas e políticas dentro da China e a uma diplomacia flexível no exterior", ponderou.

Mas Shambaugh não descarta a possibilidade de impasse entre as alas conservadora e reformista, o que poderia levar a uma paralisia política semelhante à que separa democratas e republicanos no Estados Unidos.