Título: Passado o período de garantia, dono de carro zero foge das concessionárias
Autor: Silva, Cleide
Fonte: O Estado de São Paulo, 28/10/2012, Economia, p. B12

Quarto maior mercado mundial de veículos e um dos países com maior número de fabricantes, atrás apenas da China, o Brasil enfrenta problemas justamente na rede de distribuição que faz a ponte entre a fabricante e o consumidor. Pelo menos 90% das pessoas que compram carro zero fogem da concessionária a partir de um ano após a aquisição. Preços altos de peças e serviços são a principal queixa. Muitos clientes só vão à revenda autorizada durante o período de garantia do veículo.

Estudo da consultoria Roland Berger mostra que, passados três anos, apenas 10% dos consumidores continuam levando o carro à concessionária após o fim do período da garantia. Em países da Europa, como a Alemanha, a frequência é mantida por 60% a 70% dos clientes, informa Stephan Keese, sócio da empresa e um dos responsáveis pelo estudo.

Segundo a pesquisa, 43% dos consumidores apontam os preços altos de peças e serviços como motivo para evitar a concessionária. Outros itens citados são baixa confiabilidade (36%), serviços mal executados (33%), tempo longo de reparo (17%), falta de direcionamento e fraca oferta de serviços (14%), tempo de espera longo e localização longe de casa (12%), pouca flexibilidade de horários (10%) e fim da garantia (9%).

"A principal razão para a utilização das concessionárias em revisões e reparos é para não perder a garantia", constata Keese. "Após o fim do período, há uma migração intensa para oficinas independentes".

O funcionário público Carlos Torres desistiu da autorizada antes mesmo do fim da garantia de dois anos do Volkswagen Fox 2010. A troca do sistema elétrico que abre e fecha os vidros sairia por R$ 227 na concessionária (sem a mão de obra para instalação), mas ele conseguiu peça e serviço por R$ 130 em uma oficina independente. Waldemir Pereira pagou R$ 12,50 por uma lâmpada de freio do Gol. "Depois vi o mesmo produto, da mesma marca, por R$ 2 em uma loja não autorizada."

O estudo é divulgado num momento em que novas montadoras anunciam planos de instalar fábricas no País e as já existentes ampliam investimentos. "Com o aumento da concorrência, fica mais difícil vender carros e uma estratégia para ganhar participação no mercado é justamente a excelência em vendas", afirma Keese. Ele ressalta que, ao contrário de outros mercados desenvolvidos, as concessionárias brasileiras têm grande foco na venda de carros novos - atividade que representa de 60% a 65% dos resultados financeiros.

Com a concorrência de várias marcas e a necessidade de oferecer descontos, a rentabilidade do negócio diminui. Com isso, os investimentos em melhoria no atendimento e em mão de obra qualificada também são reduzidos. Atualmente, a margem de lucro das concessionárias brasileiras gira entre 1% e 3%, sendo que o porcentual maior é obtido apenas por grandes grupos que atuam com diversas marcas.

Em 2003, a média de retorno era de 6,5%, mostra o estudo da Roland Berger.

Keese sugere como alternativa um foco maior em outras atividades, como a venda de carros usados, de peças e acessórios e a prestação de serviços, inclusive financeiros. Nas revendas da Europa e EUA, apenas 10% a 15% do lucro vêm da venda de veículos novos, enquanto 15% a 25% vêm dos usados e 65% a 75% dos serviços de pós-venda. No Brasil, a venda de usados participa com 5% a 10% dos resultados e o pós-venda como 25% a 35%.

O consultor vê a necessidade de uma rede de distribuição mais profissional, mais eficiente e com melhor redistribuição no mix de atividades que geram lucratividade e podem ajudar na fidelização de clientes. Para isso, ele defende maior parceria entre as revendas e as montadoras que, em sua opinião, "focam investimentos em fábrica e produtos, mas não investem o suficiente nos processos de venda".

Mudanças. O presidente da Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores (Fenabrave), Flávio Meneghetti, admite a alta dependência das revendas brasileiras da venda de carros novos, mas diz que o cenário era similar nos EUA e países europeus. A mudança só ocorreu após a crise nesses mercados, que obrigou o setor a buscar alternativas de rentabilidade.

Meneghetti afirma que já está em andamento, ainda que lentamente, mudanças na relação entre revendas e consumidor que passam, por exemplo, pela maior profissionalização e pela ampliação dos prazos de garantia dos veículos - que ajuda a reter a clientela por mais tempo.

Também começam a ser introduzidos no País serviços comuns lá fora, como a garantia estendida. "Hoje, 35% dos consumidores americanos compram carro com três anos de garantia e saem da loja com um plano de seis anos de garantia", diz o presidente da Fenabrave. Ao adquirir o serviço na hora da compra, o custo é menor e pode ser financiado junto com veículo.

Nos últimos dois anos, foram abertas cerca de 570 novas revendas autorizadas no País, número hoje perto de 4,5 mil lojas só de automóveis e comerciais leves. A tendência é de ampliação, em razão da chegada de novos fabricantes com sua rede de distribuição. Meneghetti ressalta que, paralelamente à vinda de novas marcas, há um processo de consolidação das revendas, por isso ele não aposta em aumento expressivo do número de lojas.