Título: Mercado aposta em queda de superávit primário
Autor: Dantas, Fernando
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/11/2012, Economia, p. B6

Para economistas, depois de flexibilizar meta de inflação e controlar o câmbio, governo dá sinais de que está modificando política fiscal

Depois de flexibilizar a meta de inflação e restringir a flutuação do câmbio a uma faixa entre R$ 2 e R$ 2,1, a equipe econômica pode estar modificando também o terceiro pilar do tripé macroeconômico, a política fiscal. Já surgem dúvidas no mercado sobre a manutenção nos próximos anos dos altos superávits primários que vigoram desde 1999, com exceção de 2009, ano da grande crise global.

De 1999 a 2011, o superávit primário - as receitas do setor público menos as despesas não financeiras - variou entre um mínimo de 2,92% do PIB e um máximo de 3,93%. A exceção foi 2009, quando ficou em 2,05% do PIB, acompanhando a tendência de vários países do mundo de fazer com que a demanda do setor público ajudasse a impulsionar as economias combalidas pelo impacto da crise financeira mundial.

Saindo da crise, o Brasil parecia estar reestabelecendo a antiga política fiscal. O superávit primário subiu para 2,77% em 2010, empurrado pela alta da arrecadação num ano de crescimento econômico espetacular, com alta do PIB de 7,5%. Em 2011, primeiro ano do governo de Dilma Rousseff, o superávit voltou a subir, para 3,11% do PIB, mas exigindo corte de investimento e contenção de salário do funcionalismo.

Agora, em 2012, já há consenso entre os analistas de que a meta de 3,1% do PIB da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) não será atingida. Diferentemente de 2009, embora o Brasil esteja crescendo pouco - as projeções para o PIB estão em torno de 1,5% -, não há uma aguda crise internacional para justificar a redução do superávit primário.

A discussão é se o governo conseguirá ou não cumprir oficialmente a meta "descontando" dela os investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), estimados entre 0,5 a 0,7 ponto porcentual do PIB.

O economista Fernando Rocha, sócio da gestora de recursos JGP, diz que sua projeção para o superávit primário em 2012 é de 2,3%, e tem sérias dúvidas se apenas o desconto do PAC será suficiente para se chegar aos 3,1%. "Meu número é 2,3%, mas o governo sempre pode lançar mão de alguma manobra, como adiantamento de dividendos."

Mauricio Oreng, economista do Itaú, que prevê superávit de 2,4%, diz que o departamento econômico do banco tem a visão de uma queda do superávit primário nos próximo anos. Ele vê o superávit atingindo menos de 1,5% do PIB no final da década. "A gente acha que o governo vai optar por reduzir o superávit primário nos próximos anos, já que a redução dos juros vai ter um impacto de redução do custo de financiamento do Tesouro."

Ele se refere ao fato de que a forte queda da Selic, a taxa básica de juros, está barateando a conta do governo com os juros da dívida pública. Essa conta, que até o fim de 2011 estava em quase 6% do PIB, deve cair nos próximos anos para algo em torno de 4%, pelos cálculos do Itaú.

Dessa forma, o déficit nominal, que, ao contrário do primário, inclui a despesa com os juros da dívida pública, se estabilizaria em torno de 2% a 2,5% do PIB, garantindo uma trajetória sustentável da dívida pública. A consultoria Tendências prevê queda até maior da conta de juros, para 3% do PIB em 2014. Assim, dado um superávit de 1,8% projetado pela consultoria para o último ano do governo de Dilma, o déficit nominal cairia a 1,2%.

Rocha, da JGP, também acha que o governo deve reduzir o superávit primário nos próximos anos. Para ele, a vontade de impulsionar a economia e de realizar mais investimentos públicos vai levar a equipe econômica nessa direção, o que é reforçado pelo fato de que um superávit próximo a 2% já é suficiente para estabilizar a dívida pública.

Mas ele não concorda com a escolha, e preferia que o investimento público subisse pela redução de outras despesas, e o superávit fosse mantido na faixa de 3% para reduzir ainda mais a dívida pública, hoje em 35% do PIB.

Para o economista Alexandre Schwartsman, da consultoria Schwartsman&Associados, "o problema da política fiscal hoje não é mais o de dinâmica da dívida pública". O superávit primário deveria, na sua visão, ser um instrumento de regulação da demanda interna, já que é um indicador da demanda do setor público. Ele nota que o próprio BC argumenta que a política fiscal tem impacto na demanda.

Exatamente em função desse fator, Samuel Pessôa, economista do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da FGV, no Rio, acha que vai haver uma forte reversão de política econômica, por volta de 2015. "Não está claro que a questão inflacionária esteja equacionada, e não dá para descartar que tenham de subir o primário e elevar a Selic."