Título: Usinas podem perder até 70% da receita com o corte de tarifas de energia
Autor: Pereira, Renée ; Rodrigues, Eduardo
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/11/2012, Economia, p. B1

Valores anunciados na quinta-feira à noite pelo governo federal são considerados muito baixos pelos representantes do setor

As novas tarifas de energia elétrica publicadas pelo governo federal na noite de quinta-feira, no "Diário Oficial" da União, podem derrubar em até 70% a receita de 81 usinas em operação no País. O contrato de concessão dessas geradoras vence entre 2015 e 2017. Para renovarem, os produtores terão de aceitar os novos patamares de preços que, na média, ficarão em R$ 9 o megawatt/hora (MWh) - valor que inclui apenas a operação e manutenção da usina, além de um porcentual de remuneração para o produtor.

Quando somados aos impostos e à Tarifa do Uso do Sistema de Transmissão (Tust), o valor sobe para R$ 27 o MWh. Para se ter ideia, em 2004, no primeiro leilão de energia velha (amortizada) realizado no Brasil, a energia dessas usinas foi negociada entre R$ 57 e R$ 86 o MWh. Os novos valores foram avaliados pelo mercado como extremamente baixos para manter a operação e manutenção das usinas. Nos patamares definidos, algumas empresas - exceto as estatais - poderão optar por não renovar os contratos de concessão e continuar com a operação até 2015 e 2017. Após esse prazo, devolveriam os ativos para a União.

"Em função do nível de dívidas que as empresas têm, neste momento, a melhor alternativa é a de não renovar a concessão", avalia o professor Nivalde Castro, coordenador do Grupo de Estudos do Setor Elétrico (Gesel), do Instituto de Economia, da UFRJ. Se as empresas entenderem da mesma forma, a presidente Dilma Rousseff poderá ter um derrota política importante.

No início de setembro, Dilma anunciou a queda nos preços de energia - entre 16,2% e 28% -, com o fim de alguns encargos setoriais e a renovação das concessões. Pela regra anterior, ao fim dos contratos, os ativos teriam de ser retomados pela União, que faria um novo leilão ou definiria outro destino para as usinas. O governo, no entanto, decidiu mudar a lei e renovar a concessão para reduzir os preços da energia no País. Agora, se as empresas optarem por devolver os ativos, será difícil cumprir as reduções anunciadas pelo governo - e comemoradas pelos empresários - a partir de 2013.

Valores restritivos. O presidente da Associação Brasileira das Empresas Geradoras de Energia (Abrage), Flávio Neiva, entende que, antes de decidir se renovam ou não, as empresas terão de sentar e discutir as novas tarifas com a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). "A primeira avaliação é que os valores são bastante restritivos para a realização de todos os serviços que hoje são feitos e que garantem a continuidade, confiabilidade e a preservação dos ativos das concessões de geração." Na avaliação dele, o normal é ajustar a tarifa ao serviços necessários, e não o contrário.

"Não temos um parâmetro de referência totalmente esclarecido ainda, mas já dá para perceber que o impacto será enorme. Cada companhia terá de fazer as próprias contas", afirmou o presidente da Associação Brasileira de Investidores em Autoprodução de Energia (Abiape), Mário Menel. Ele se refere ao fato de o governo ter publicado o valor das tarifas em quilowatt ano (kW ano) em vez do tradicional MWh. Isso dificultou o cálculo das novas tarifas para comparar com os valores atuais. Os preços devem variar de R$ 6 a R$ 81 o MWh, segundo a Abrage.

Caixa. Os valores terão um efeito devastador no caixa das companhias, avalia o especialista Roberto Pereira D"Araujo, ex-conselheiro de Furnas. Ele calcula que a estatal terá queda de 58% no caixa. No ano passado, destaca D"Araujo, a receita total da empresa foi de R$ 6,9 bilhões. Esse valor deve cair para R$ 2,9 bilhões em 2013, projeta ele. "As novas tarifas beiram o ridículo. As usinas vão valer um cafezinho."

Na opinião de Nivalde Castro, a principal falha do processo é que a metodologia foi parcial. Ela se restringiu apenas à parte técnica de engenharia e ao custo operacional, sem incluir qualquer tipo de eventualidade e as variáveis financeiras. "As empresa têm dívidas, algumas delas altas. Esse débito é pago com o fluxo de caixa, que agora será a tarifa de operação e manutenção."

O presidente da Abiape, Mario Menel, acredita que as audiências públicas marcadas para a próxima semana na Comissão Especial da Medida Provisória n.º 579 - que trouxe as regras para a renovação das concessões - já prometem "pegar fogo". "A bola agora está com o Congresso Nacional. O Parlamento será a caixa de ressonância da insatisfação dos concessionários", concluiu Menel.