Título: O que é um bom juiz?
Autor: Brandt, Ricardo
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/11/2012, Nacional, p. A6

Joaquim Barbosa é a novidade do julgamento do mensalão e está na vanguarda do debate sobre o papel do STF. Tem sido criticado pela atuação apaixonada e combativa, que afirma a necessidade de uma postura exemplar neste caso e contribui para atrair a esfera pública para seu lado.

Mas não foi ele quem ligou as câmeras. O STF decide por maioria e transmite ao vivo seus trabalhos. Admite claramente este modo de agir. A despeito disso, talvez tenha sido ele o primeiro a prestar atenção nisso e explorar o potencial de disputa pública embutido no procedimento do STF. Pois os ministros debatem cotidianamente. O que Barbosa fez foi pôr às claras esta característica, abrindo espaço para um juiz "combativo", "politizado" e bom de TV. Mas que política é essa? O jurista austríaco Hans Kelsen já dizia que a "política jurídica" se faz no espaço de discricionariedade para julgar os casos: não é a mesma política dos partidos. É feita pela escolha de uma solução para o caso concreto tendo em vista o direito, as características e o contexto do julgamento.

O STF está mais próximo de um órgão legislativo do que de um organismo judicial típico. Da mesma forma, as CPIs se parecem mais com um tribunal do que com um órgão legislativo. Explico. Os tribunais julgam casos difíceis, casos únicos por sua importância e/ou complexidade. Para o trivial, o direito prevê soluções padronizadas, interpretações estabilizadas temporariamente, até que apareça um caso difícil sobre aquele assunto.

Já nos casos difíceis, a solução é indeterminada. Seu julgamento se aproxima mais da criação de uma norma geral do que da aplicação de uma lei ao fato; a solução destes casos serve de exemplo para julgamentos futuros, pelo próprio tribunal e pelas cortes de instância inferior.

A despeito de sua postura, os argumentos de Barbosa têm sido aceitos pelos demais ministros; mesmo suas teses jurídicas mais polêmicas. E o STF tem concordado com ele ao tratar este caso como um caso difícil.

Barbosa é "politizado", mas sem deixar de ser técnico. Faz política ao escolher e defender soluções jurídicas para o caso. Na sessão de ontem, o ministro Marco Aurélio parece ter seguido o mesmo caminho. Decidiu um tema técnico, a irretroatividade da lei, afirmando que assim iria "consertar o Brasil", "com C e com S". Desta forma, entra em jogo uma nova maneira de ser juiz que pode se tornar preponderante no Supremo. A partir de agora, o conceito do que seja um "bom juiz" passa a estar em acirrada disputa.