Título: Governo Kirchner nega deficiência energética
Autor: Guimarães, Marina
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/11/2012, Economia, p. B16

Um dia após apagão na capital, ministro desmente que a interrupção do fornecimento de eletricidade esteja relacionada à falta de investimentos

Um dia depois do blecaute que paralisou Buenos Aires, o governo da Argentina manteve a posição de não reconhecer a escassez energética no país. Em entrevista, o ministro de Planejamento, Julio De Vido, negou que a interrupção do fornecimento de eletricidade esteja relacionada à falta de investimentos.

O estilo de negar números e situações desfavoráveis à Administração Pública Federal é uma prática que se instalou no país desde janeiro de 2007, com o Índice de Preços ao Consumidor (IPC), e se acentuou em 2012, com o abandono de publicações da secretaria de Energia e do Banco Central.

Em outubro, a secretaria de Energia deixou de publicar os valores de suas importações de combustíveis.

No ano passado, essa conta foi de quase US$ 10 bilhões e as projeções das consultorias privadas para 2012 giram em torno de US$ 12 bilhões.

Em razão dessas importações, da falta de investimentos externos e da saída de dólares do sistema doméstico, o governo decidiu controlar com punho de aço as importações em geral e o mercado de câmbio.

Analistas, empresários e especialistas vinculados ao setor foram pegos de surpresa quando consultaram os números das importações de energia de setembro. Na secretaria, a informação é de que foi apenas um "erro digital".

No entanto, essa não é a primeira vez que o governo de Cristina esconde os números da economia do país. O temor é que esses indicadores tenham o mesmo destino que o IPC elaborado pelo Instituto de Estatísticas e Censos (Indec), equivalente ao IBGE.

Com a chamada "metodologia Moreno", criada pelo secretário de Comércio Interior, Guillermo Moreno, a inflação medida pelo Indec é menos do que a metade da apurada pelos institutos privados.

Para 2012, por exemplo, a inflação oficial se encontra na casa dos 10%, enquanto a de institutos independentes é de 25%. A escandalosa diferença incide nos números da pobreza e indigência.

Ultimato. Por causa do IPC "maquiado", o Fundo Monetário Internacional (FMI) ameaçou com a expulsão da Argentina de seu quadro de sócios e deu um prazo ao país até dezembro para normalizar seus indicadores.

Na tentativa de controlar a informação sobre a inflação medida pelos economistas de institutos privados, Moreno estabeleceu multas milionárias contra as principais consultorias.

Para protegê-las das retaliações oficiais, as bancadas dos partidos de oposição no Congresso reúnem os relatórios das consultorias para divulgação mensal com a imunidade parlamentar.

As associações de consumidores também foram objetos de controles de Moreno e tiveram de deixar de publicar suas pesquisas de preços. Uma delas teve cassada sua licença de organização não governamental.

Seguindo o mesmo exemplo da secretaria de Energia, também em outubro, o Banco Central deixou de publicar o Relevamiento de Expectativas del Mercado (REM), uma pesquisa realizada mensalmente, desde 2004, entre as principais consultorias locais e internacionais sobre as estimativas macroeconômicas de curto e médio prazo. O REM era usado nas formulações e execuções da política monetária do BC. A diretoria da autoridade monetária pretende reformular o indicador, mas não estabeleceu prazo nem forma.

Em agosto, o governo deixou de publicar as estatísticas oficiais do setor no Registro de Propriedade Imóvel, dependente do Ministério de Justiça.

A venda de imóveis despenca mês a mês, em consequência dos controles cambiais, que proíbem a compra de divisas para guardar e as operações em moeda estrangeira.

As restrições cambiárias começaram a ser adotadas nos últimos dias de outubro de 2011, logo após a reeleição de Cristina Kirchner, e se acentuaram entre março a julho, até chegar ao bloqueio. "O governo considera que publicar as porcentagens não é papel de uma organização como a nossa e não é útil aos consumidores", disse à Agência Estado, a presidente da Associação Ação do Consumidor (Adelco), Claudia Collado.