Título: Saneamento e competência
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Fonte: O Estado de São Paulo, 13/11/2012, Notas e informações, p. A3

O Brasil será a quin­ta maior economia do mundo em pou­cos anos, alardeia o governo, mas ne­nhuma autoridade federal é capaz de dizer com alguma segurança quando será universaliza­do, no País, pelo menos o serviço de esgoto sanitário. Menos de dois ter­ços dos lares brasileiros - 62,6% - têm acesso a saneamento, por meio de rede coletora ou de fossa ligada à rede, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), do IBGE. Para universalizar o servi­ço até 2030 seria preciso duplicar o investimento na implantação e na ex­pansão de redes, mas o governo con­tinua agindo como se estivesse no es­curo, sem saber onde estão os gran­des obstáculos e como removê-los. Para destravar a execução dos pla­nos, técnicos do Ministério das Cida­des estudam novos estímulos ao in­vestimento - isenção do PIS-Cofins para aumentar os recursos disponí­veis e concessão de prêmios às pre­feituras com melhor desempenho na realização de projetos. As duas medi­das poderão ter alguma utilidade, mas os problemas da maior parte dos municípios continuarão intac­tos. Soluções desse tipo revelam uma evidente falha de diagnóstico.

Se adotada, a isenção do PIS-Cofins atenderá a uma solicitação dos governos de Mato Grosso do Sul, Rondônia, Minas Gerais, Rio Gran­de do Sul, Santa Catarina, Espírito Santo, Paraíba, Tocantins e Distrito Federal. O assunto foi levado à Pre­sidência da República pela Associa­ção Brasileira das Empresas Esta­duais de Saneamento (Aesbe). Se­gundo a entidade, as companhias es­taduais pagam anualmente cerca de R$ 2 bilhões de Cofins. Desonera­das, poderiam usar esse dinheiro pa­ra investir.

O argumento parece razoável, mas o alcance da medida proposta é evidentemente muito limitado. O in­vestimento anual em saneamento básico tem ficado próximo de R$ 8 bilhões e seria preciso duplicá-lo pa­ra alcançar a universalização do ser­viço de esgoto até 2030. O governo federal tem sido incapaz, no entan­to, de aplicar toda a verba disponí­vel para o financiamento de proje­tos de redes sanitárias. Não se pode falar, neste momento, de escassez de dinheiro.

"Não conseguimos gastar os recur­sos", diz Edison Carlos, presidente executivo do Instituto Trata Brasil, uma organização civil dedicada ao es­tudo dos problemas de saneamento e à promoção de políticas para o se­tor. Segundo ele, muitas prefeituras estão despreparadas para elaborar e tocar projetos de redes de serviços sanitários e, além disso, falta pres­são dos próprios eleitores, em gran­de parte do País.

A incapacidade técnica da maior parte dos municípios é mencionada há muito tempo nas discussões so­bre saneamento básico. Limites para o endividamento podem também di­ficultar o uso dos recursos disponí­veis, mas o despreparo técnico é pro­vavelmente a restrição mais importante. Estímulos fiscais e prêmios se­rão inúteis contra essa limitação.

Para se aproximar da meta de uni­versalização, o governo federal teria de ir muito além da oferta de finan­ciamento às prefeituras e aos gover­nos estaduais. Teria de acompanhar muito mais de perto os trabalhos lo­cais, especialmente nas áreas mais pobres. Na Região Norte, falta rede de esgoto para quase 80% dos domi­cílios. No Sudeste, esse problema afeta cerca de 13% das residências. O quadro fica pior quando se conside­ram as condições de tratamento.

Nas cem maiores cidades do País, só são tratados 36,3% dos dejetos. O res­to é jogado no ambiente.

A incapacidade do governo federal de elaborar e executar projetos é no­tória. No caso do saneamento bási­co, essa deficiência tem efeitos espe­cialmente dramáticos: o fracasso da política mantém dezenas de milhões de brasileiros em condições há mui­to tempo superadas no mundo civili­zado. Entre o começo do ano passa­do e outubro deste ano, a administra­ção federal desembolsou R$ 3,5 bi­lhões do dinheiro orçado para sanea­mento, menos de um quarto do total (R$ 16,1 bilhões). Para obter resulta­dos melhores, o governo federal terá de, ao mesmo tempo, elevar sua ca­pacidade gerencial e colaborar mais estreitamente com Estados e municí­pios. É preciso reavaliar a importân­cia e as implicações técnicas e políti­cas das missões atribuídas ao Minis­tério das Cidades.