Título: O fim de uma profissão
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/11/2012, Notas e informações, p. A3

Passou na Comissão Especial da Câma­ra, no último dia 7, a Proposta de Emenda Constitu­cional (PEC) que amplia os benefícios aos traba­lhadores domésticos. Elabora­da com o intuito de equiparar os direitos desses empregados aos dos demais trabalhadores, conforme compromisso firma­do em 2011 pelo Brasil com a Organização Internacional do Trabalho, a chamada "PEC das Domésticas" pode representar seu exato oposto, isto é, a extin­ção da profissão.

Cerca de 7 milhões de mulhe­res e 500 mil homens estão no mercado de trabalho domésti­co. Somente 25% têm carteira assinada. As empregadas fazem jus atualmente a recolhimento de INSS, férias de 20 dias úteis, 13.0 salário e abono de férias. No caso do INSS, a parte do tra­balhador é de 8%, mas a maio­ria dos patrões banca essa par­cela. Tudo isso obviamente en­carece os contratos e inibe a formalização, situação que ten­de a piorar com a "PEC das Do­mésticas". Progressivamente, as famílias de classe média têm optado por diaristas, cujas rela­ções de trabalho não são alcan­çadas por essa legislação.

A proposta, que ainda tem de ser apreciada pelos plenários da Câmara e do Senado, estabe­lece jornada de 8 horas de tra­balho e 44 horas semanais, além de pagamento de horas extras. Esses direitos entrarão em vigor assim que a modifica­ção constitucional for aprova­da. Outros itens no projeto de­pendem de regulamentação, entre os quais se destacam o reco­lhimento obrigatório do FGTS, seguro contra acidentes de tra­balho, creche e pré-escola para filhos e dependentes de até seis anos de idade, adicional no­turno e salário-família. Segun­do especialistas, somente a obrigatoriedade do pagamento de horas extras (50% acima da regular) e do adicional noturno (20% do salário mínimo), além do recolhimento de FGTS (com multa de 40% em caso de dispensa sem justa causa), po­de representar um aumento de até 45% dos custos para quem contrata uma empregada. As funcionárias teriam direito ainda de pedir adicional de insalubridade, que podé chegar a 40% do salário mínimo, e de periculosidade, que seria de 20%. Desse modo, as associações que reúnem os empregadores dizem que a elevação geral dos custos seria da ordem de 100% - um disparate.

A "PEC das Domésticas", jus­tamente por equiparar total­mente o trabalho doméstico aos demais, pode criar ainda si­tuações inusitadas. Um exem­plo é o da jornada de trabalho. Em geral, essa jornada e a folga semanal são acertadas entre pa­trão e empregado de maneira informal. Com a nova legislação, talvez haja a necessidade de instalar um relógio de ponto nas residências, de modo a evi­tar mal entendidos.

Há tempos o mercado de tra­balho das empregadas domésti­cas vem mudando - houve uma redução de 10% da mão de obra entre 2009 e 2011, e a ren­da dessas funcionárias cresceu mais de 40% entre 2002 e 2011, contra a média de 25% para os demais trabalhadores, segundo o IBGE. Esse fenômeno se ex­plica pela abertura de vagas for­mais em outros setores da eco­nomia nesse período, atraindo as domésticas que desejavam ter emprego com carteira assi­nada. Para a relatora da PEC, deputada Benedita da Silva (PT-RJ), a mudança na lei vai estimular muitas mulheres a voltar a trabalhar como domés­ticas. O problema, porém, será encontrar quem tenha recur­sos para pagar tão caro por seus serviços.Sem chegar ao exagero do presidente da comissão que aprovou a PEC, deputado Marçal Filho (PMDB-MS) - para quem as empregadas formam uma categoria com origem na escravidão não se pode ques­tionar a necessidade de am­pliar os direitos dos trabalhado­res domésticos. No entanto, tendo em vista que os emprega­dores não são empresas, e, sim, famílias, é justo esperar que ha­ja um equilíbrio entre reivindi­cações trabalhistas e capacida­de de remuneração. Do contrá­rio, arrisca-se a impor enormes custos à classe média e, portan­to, a inviabilizar a contratação desses funcionários. E o Brasil ainda não é um país que pode se dar ao luxo de fechar um merca­do de trabalho tão importante quanto o doméstico, o único acessível a uma parcela significa­tiva dos brasileiros.