Título: A deturpação do royalty
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 10/11/2012, Notas e informações, p. A3

Envolvidos na fe­roz disputa por algo que ainda não existe, nem se sabe se vai existir - o petró­leo do pré-sal -, e movidos ape­nas por seus próprios interes­ses político-eleitorais, que os tornaram incapazes de avaliar o interesse nacional, 286 depu­tados impuseram uma derrota política ao governo ao aprovar um projeto sobre a distribui­ção dos royalties do petróleo que, na essência, acaba com o conceito de royalty, rompe contratos em plena vigência e pune as cidades que têm despe­sas adicionais por causa da ex­ploração do óleo em seu terri­tório ou vizinhança.

"Foi uma demonstração de vitalidade do Parlamento brasi­leiro", exultou o presidente da Câmara, deputado Marco Maia, após a derrota do governo - que, a propósito, é chefiado pe­lo partido a que ele pertence. Diante dos desastrosos efeitos que o projeto - que já havia si­do aprovado pelo Senado - po­derá ter para os municípios e Estados produtores de petró­leo, caso a presidente Dilma Rousseff não o vete, cabe inda­gar para que serve tanta vitali­dade parlamentar. Neste episó­dio, pelo menos, certamente não é para o bem do País.

Por meio de uma hábil mano­bra em plenário, os deputados decidiram votar o projeto já aprovado no Senado, antes de examinar o substitutivo elabo­rado pelo relator designado pe­la Gâmara, deputado Carlos Zarattini (PT-SP). Aprovado o tex­to vindo do Senado, o substitu­tivo do relator, que continha pontos de interesse do gover­no, nem chegou a ser examina­do. O substitutivo de Zarattini previa, como queria o governo, que todos os recursos originá­rios de royalties deveriam ser aplicados em educação. A exce­ção caberia à União, que pode­ria aplicar parte do dinheiro em ciência e tecnologia e em de­fesa. O texto aprovado permite o uso dos royalties em diversas áreas, como infraestrutura, edu­cação, saúde, segurança, erradi­cação da miséria e até tratamen­to de dependentes químicos.

Este, porém, é o ponto me­nos pernicioso do projeto. Ao mudar radicalmente o critério de distribuição dos royalties en­tre os Estados e municípios, garantindo fatia substancial des­ses recursos para regiões que não produzem nenhuma gota de petróleo, o projeto muda também o conceito de royalty.

Royalty é uma compensação financeira, uma indenização, paga àqueles que sofrem pela retirada, de seus territórios, de recursos escassos e não renováveis e têm despesas adicionais decorrentes do uso de sua infraestrutura e da degradação ambiental. O projeto assegura, porém, que também Estados e municípios que não têm esses custos adicionais, e já recebiam uma parcela desse dinhei­ro, tenham direito a uma fatia muito maior.

De 8,75% do total dos royal­ties do petróleo que recebem atualmente, Estados e municí­pios não produtores passarão a recebe 40% até 2020. A contra­partida, obviamente, é a redu­ção da fatia que cabe à União e aos Estados e municípios pro­dutores. A da União será reduzi­da de 30% para 20% já em 2013, a dos Estados produtores cairá de 26,25% para 20% e a dos mu­nicípios produtores, de 26,25% para 15% em 2013 e 4% em 2020. Para os municípios não produtores, mas que são afeta­dos pela produção, por causa do uso de seu território pelas empresas envolvidas no traba­lho de exploração, transporte e armazenagem, a fatia será redu­zida de 8,75% para 3% a partir de 2013 e para 2% em 2020.

E uma redução brutal, que poderá inviabilizar financeira­mente muitas prefeituras que enfrentam gastos adicionais decorrentes da exploração do petróleo em seu território ou em suas proximidades. Cálcu­los preliminares do secretário do Desenvolvimento do Esta­do do Rio de Janeiro, Júlio Bueno, com base na variação da co­tação do barril do petróleo e da produção estimada pela Petrobrás, indicam que o gover­no estadual e as prefeituras flu­minenses perderão R$ 77 bi­lhões em oito anos. O governa­dor do Espírito Santo, Renato Casagrande, fala em perdas de R$ 11 bilhões até 2020.

Além dessas perdas e distor­ções que gera, o projeto desres­peita contratos ao estabelecer regras novas para a distribui­ção de royalties das áreas já lici­tadas e em plena atividade. De­ve ser vetado integralmente.