Título: A fila dos remédios
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 26/11/2012, Notas e informações, p. A3

A Agência Nacional de Vigilância Sani­tária (Anvisa) de­mora, em média, 640 dias para au­torizar a comer­cialização de medicamentos, se­gundo números de outubro do levantamento feito pela Asso­ciação da Indústria Farmacêuti­ca de Pesquisa (Interfarma). Chamado ironicamente de "demorômetro", o acompanha­mento indica que a lentidão da Anvisa não para de aumentar. Em relação a novembro de 2011, o prazo médio aumentou 271 dias. Tal desempenho não é aceitável em uma agência nor­malmente lépida quando se tra­ta de regular a vida do consumi­dor de medicamentos e de ali­mentos, ditando o que ele deve ou não deve ingerir.

Como mostrou o Estado (5/11), há nada menos que 1.876 remédios à espera de autoriza­ção da Anvisa. As indústrias se queixam de que tal situação afe­ta seus ganhos, fazendo-as re­ver ou até abandonar planos de investimento, pois não há segu­rança de que os prazos míni­mos serão respeitados. Por lei, a autorização tem de ser conce­dida em 90 dias para novos me­dicamentos e em 120 dias para medicamentos similares.

O caso dos remédios genéri­cos e similares é particularmen­te escandaloso. A Anvisa tem 1.697 medicamentos desse tipo em sua fila. Há um caso em que o pedido de registro foi proto­colado há quase 1.500 dias, em 23 de outubro de 2008. Em ou­tubro, houve demora média de 812 dias para autorizar essa classe de remédio, segundo a Interfarma.

O prejuízo para as empresas do setor é evidente, o que che­ga a ser paradoxal, em se tratan­do de um mercado que não pa­ra de crescer, graças ao aumen­to da renda dos brasileiros e, consequentemente, do. seu acesso a tratamentos de saúde. Entre 20% e 40% do faturamen­to dos laboratórios é gerado pe­la venda de remédios novos, cujo desenvolvimento leva até 15 anos, ao custo médio de US$ 800 milhões, e cuja autoriza­ção para venda fica meses para­da nos escaninhos da Anvisa.

No caso dos genéricos, a EMS, líder do setor, informa que o total de remédios aprova­dos neste ano pela Anvisa para o laboratório foi 35% menor do que em 2011. A empresa, que te­ve uma expansão de 16%, igua­lando-se à média do setor, diz que poderia ter crescido 30% se a demora da autorização não fosse tão grande. Desse modo, a indústria farmacêutica hesita em investir mais, segundo os especialistas, porque não tem certeza sobre quando terá re­torno. Há casos de empresas que expandiram sua capacida­de de produção, mas que, em parte graças ao atraso da Anvi­sa, estão com áreas ociosas.

A demora na liberação dos re­médios tem outro efeito colate­ral importante: com menos competidores nas drogarias, os preços tendem a subir. Tal situa­ção não atinge somente o con­sumidor que vai à farmácia, mas o Estado, que tem de com­prar medicamentos para o Siste­ma Único de Saúde. Ademais, graças à lentidão da Anvisa, hos­pitais e familiares de pacientes que necessitam urgentementeí de remédios ainda indisponí­veis no Brasil são impelidos ar entrar na Justiça para conseguir importar esses medicamentos - e nesse caso também enfren­tam imensa burocracia alfande­gária, que pode até mesmo pôr em risco a vida do paciente.

A Anvisa se defende dízendo que o tempo de análise pára a li beração de remédios hoje no Brasil "é compatível com o das demais agências reguladoras do mundo". No entanto, a FDA, órgão que autoriza a co­mercialização de remédios nos Estados Unidos, leva no máxi­mo 300 dias para liberar medi­camentos que representam avanços pouco significativos, em relação ao que já existe no mercado e até 180 dias para re­médios que oferecem tratamen­tos novos - ou seja, prazos mui­to inferiores à atual média de 640 dias na agência brasileira.

A Anvisa admite que precisa melhorar o processo de autori­zação, mas responsabiliza o vo­lume de remédios parados na fi­la ao crescimento do mercado, farmacêutico no Brasil. A agên­cia argumenta que não quer abrir mão da "segurança sanitá­ria dos produtos utilizados pela população brasileira".

Nem se esperava outra coisa. Entretanto, tal preocupação não pode mascarar a escandalosa int capacidade da Anvisa de cumr prir uma de suas principais obri­gações com rapidez e eficiência.