Título: Problemas para a Previdência Social?
Autor: Khair, Amir
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/11/2012, Economia, p. B5

O governo Dilma, após dois anos de fraco crescimento, acabou cedendo à pressão das entidades empresariais para iniciar processo de desoneração da folha de pagamento. O objetivo, segundo o governo, é geração de empregos e melhorar a competitividade das empresas. Além disso, a legislação reduz as assimetrias na tributação entre o produto nacional e importado, impondo sobre este último um adicional sobre a alíquota de Cofins-Importação igual à alíquota sobre a receita bruta que a produção nacional pagará para a Previdência Social.

O ministro Guido Mantega informou que a desoneração concedida a 40 setores beneficiados é de R$ 12,8 bilhões em 2013 e de R$ 60 bilhões nos próximos quatro anos. Esses valores devem crescer, pois estão previstas novas desonerações a partir do próximo ano.

Segundo a legislação, a perda de arrecadação, fruto da desoneração, terá que ser compensada pelo Tesouro Nacional à Previdência Social. Não está prevista nenhuma sanção pelo descumprimento da obrigação, o que pode causar problemas futuros.

Ataque à previdência. O problema é que isso pode piorar os resultados da previdência e assanhar os ataques a ela, como ocorreu durante 2006 e 2007, quando foi o alvo preferido por algumas análises, que previam o estouro das suas contas caso não fossem reduzidos direitos para os segurados.

Usavam a favor da redução de direitos: a) o crescimento da participação da população idosa no total da população e; b) o crescimento do déficit das contas previdenciárias.

O primeiro argumento, embora verdadeiro, envolve uma falácia, pois o que determina a evolução das despesas com os benefícios é o comportamento da taxa de evolução da população idosa. Essa taxa é crescente, passando de 3,7% em 2012 até atingir 4,1% em 2021, passando então a decrescer: em 2030, 3,0%, em 2040, 2,5% e em 2050, 1,4%.

Se a evolução do PIB for superior a essas taxas a relação entre a despesa com benefícios e o PIB tende a decrescer. Nesse sentido é fundamental a continuidade do processo de crescimento da economia, e o resultado no longo prazo é função desse crescimento.

O segundo argumento, também, verdadeiro, retratava a situação que espelhava um mercado de trabalho fortemente influenciado pela informalidade, que comprometia a arrecadação do sistema e, consequentemente seu resultado. O tempo se encarregou de responder a esse argumento, como se pode ver a seguir.

Evolução das contas. O gráfico acima apresenta a evolução das contas previdenciárias, segundo a Secretaria do Tesouro Nacional.

- As contribuições de 1997 a 2004 ficaram no intervalo estreito de 4,6/4,8% do PIB, passando a aumentar com o crescimento econômico, que induziu também, maior formalização no mercado de trabalho. A previsão para este ano é alcançar 6,3%.

- Os benefícios foram crescendo pela incorporação de segurados e correção do salário mínimo acima da inflação. Passaram de 5,0% do PIB em 1997 e se estabilizaram no nível de 7% a partir de 2005.

- O saldo negativo entre contribuições e benefícios foi crescendo de 1997 até 2006 passando de 0,3% do PIB a um máximo de 1,8% do PIB e, decrescendo a partir de então, estando atualmente em 0,8% do PIB.

A previsão oficial do governo na Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2007 era de um saldo negativo de 2,1% do PIB neste ano.

Assim, a partir de 2008, as análises catastróficas, feitas inclusive por técnicos da Previdência Social, foram sumindo do debate público, com a frustração de suas previsões.

Fórum Nacional da Previdência Social (FNPS). Vale ainda recordar, que com a elevação do déficit na previdência até 2006, cresceu a pressão das análises catastróficas para fazer nova reforma visando redução de direitos. A resposta do governo a essa pressão veio com a criação do FNPS em 22 de janeiro de 2007, com a finalidade de: "I - promover o debate entre os representantes dos trabalhadores, dos aposentados e pensionistas, dos empregadores e do Governo Federal com vistas ao aperfeiçoamento e sustentabilidade dos regimes de previdência social e sua coordenação com as políticas de assistência social; II - subsidiar a elaboração de proposições legislativas e normas infra-legais pertinentes; e III - submeter ao Ministro de Estado da Previdência Social os resultados e conclusões sobre os temas discutidos no âmbito do FNPS."

Foram debatidos por vários especialistas problemas centrais da previdência, principalmente as projeções de longo prazo das contribuições e benefícios. Entre as conclusões do fórum, com consenso dos participantes, têm as relacionados à "Gestão do Sistema Previdenciário e seu Financiamento", que prevê: "Deve-se adotar nova forma de contabilização do resultado da Previdência, que dê maior transparência às suas fontes de financiamento e suas despesas."

Essa proposta partiu dos representantes dos trabalhadores, que aderiram à argumentação do então Ministro da Previdência Nelson Machado, que propunha medida provisória mudando as regras de contabilidade do déficit da Previdência Social, apresentadas de forma inadequada pela Secretaria do Tesouro Nacional e indicadas no gráfico.

Na discussão interna ao governo o ex-presidente Lula determinou que fosse imediatamente implantada a nova forma de contabilização indicada pelo FNPS. Infelizmente até hoje a Secretaria do Tesouro Nacional ignorou essa decisão. Assim, o resultado fiscal do Tesouro Nacional fica melhor do que deveria e o resultado das contas da previdência, pior, como se explica a seguir.

Contas reais. Desonerações feitas por decisão de governo que reduzem receitas da Previdência, como as isenções para entidades beneficentes e, agora, de vários setores empresariais, devem ser contabilizadas como renúncia fiscal no Orçamento Fiscal, onerando o órgão responsável pela desoneração, e não como renúncia fiscal da Previdência Social, prejudicando seu resultado. Dessa forma será possível avaliar com rigor as contas do Orçamento Fiscal e as da Previdência Social. No conjunto do Governo Central (Tesouro Nacional, Previdência Social e Banco Central) não muda nada, mas a contabilização correta permite o debate em bases reais e, com cálculos atuariais, prever com maior segurança os resultados de longo prazo da Previdência Social.

Lamentável. Para encerrar. É lamentável a política do governo usando a Petrobrás como biombo da inflação. O Ministro da Fazenda, que preside seu Conselho de Administração, aprovou o plano estratégico da empresa, que prevê reajuste de 15% nos combustíveis. Ao segurar esse reajuste está ocasionando os péssimos resultados que estão aparecendo. Falhas desse tipo maculam a imagem do governo e da Petrobrás. Incompetência ou irresponsabilidade?