Título: Esgotamento da reforma agrária
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Fonte: O Estado de São Paulo, 03/12/2012, Notas e Informações, p. A3

Os dados mais re­centes sobre o número de famí­lias assentadas em terras desa­propriadas para fins de reforma agrária confir­mam uma notável mudança na política agrária do governo do PT depois da posse de Dilma Rousseff na Presidência da Re­pública. Resistindo às ameaças e às pressões do Movimento dos Sem-Terra (MST) e de áreas do partido ligadas histori­camente à reforma agrária, o atual governo vem reduzindo drasticamente o número de fa­mílias assentadas. Neste ano, até o dia 16 de novembro, de acordo com registros do Insti­tuto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, 10.815 famí­lias tinham sido assentadas, co­mo mostrou reportagem de Roldão Arruda no Estado (19/11). Esse número indica que o total deste ano deverá ser me­nor do que o de 2011, de 20,8 mil assentamentos, que, até agora, era o menor desde 1995.

Às pressões em geral ilegais e muitas vezes violentas do MST, o governo Lula reagiu com pater­nalismo e leniência, mas tam­bém aproveitou seu vínculo com o movimento para utilizá- lo politicamente. Não por coin­cidência, os maiores números de assentamentos durante os dois mandatos de Lula foram re­gistrados em 2005, quando es­tourou o escândalo do mensa- lão e se chegou a cogitar de seu impeachment, e em 2006, ano em que o então presidente se candidatou à reeleição. Nos anos seguintes, porém, a média ficou em cerca da metade do to­tal registrado no ano da reelei­ção. No governo Dilma, dimi­nuiu ainda mais.

Dirigentes do MST e alguns po­líticos petistas atribuem a redu­ção do número de assentamen­tos ao abandono, pelo governo Dilma, dos compromissos com a reforma agrária. Não se trata, po­rém, apenas de decisão política do governo. As razões da queda são mais profundas e duradou­ras. As mudanças no quadro eco­nômico e social do País nos últi­mos anos abriram oportunida­des de trabalho nas cidades ou nas atividades do agronegócio para os que antes não tinham possibilidade de obter renda re­gular senão no campo.

O esvaziamento progressivo do MST, com a consequente per­da de seu poder de pressão so­bre o governo e a sociedade, bem como a perda de significa­do da reforma agrária decorrem dessas transformações.

A manipulação política de boa parte dos assentamentos, por sua vez, desmoralizou os progra­mas de reforma agrária. Levanta­mento feito pelo Incra no fim de 2011 constatou que, de cerca de 790 mil famílias assentadas até então, nada menos do que 42,9% tinham abandonado os lo­tes que lhes haviam sido conce­didos, por desinteresse ou falta de conhecimento para cultivá- los. Outros 35,4% tinham trans­ferido ilegalmente as terras e 10,6% não tinham cumprido as cláusulas contratuais.

Compreende-se, por isso, que, desde o início do governo Dilma, o Incra venha dedicando cada vez menos esforços para au­mentar o número de assentamentos. Do total de R$ 426,6 mi­lhões de que dispõe neste ano para compra de terras destinadas à reforma agrária, até agora o órgão só autorizou gastos equi­valente a 41%. O Incra decidiu dar atenção crescente à melhoria das condições de vida das fa­mílias, de modo a transformar os assentamentos em comuni­dades que alcancem maior pro­dução e maior renda, preservando o meio ambiente. Vem fazendo isso por meio de treinamen­to, da disseminação de técnicas e do emprego de insumos que aumentem a produtividade. Além disso, está articulando sua ação com a de outros órgãos do governo, para melhorar a infraestrutura e as condições de moradia.

Sem entender as transforma­ções por que passou o País e as novas necessidades das popula­ções rurais, o MST está cada vez mais distante da realidade e se isolando ainda mais por causa de sua postura política equivocada e de seu discurso belicoso. Descontente com o núcleo cen­tral do governo Dilma, "que não quer saber da reforma (agrária)", o porta-voz do MST, Alexandre Conceição, promete rea­ção. "Vamos partir para o confli­to com o latifúndio", disse ele ao Estado.

Se e quando isso ocorrer, o go­verno Dilma terá de agir com o rigor necessário, na forma da lei; assim fazendo, deixará ainda mais claro que, nessa questão, é diferente do anterior.