Título: Sem consenso sobre o clima
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Fonte: O Estado de São Paulo, 11/12/2012, Notas e Informações, p. A3

O fato de a 18 Conferência das Nações Uni­das sobre Mu­dança Climáti­ca, em Doha, ter terminado sem que houves­se consenso sobre as questões mais relevantes desse debate crucial para o faturo do plane­ta não surpreendeu ninguém. Um acordo fechado no apagar das luzes serviu para salvar as aparências. Serviu também co­mo prova documental de que os problemas relativos ao cli­ma continuam fortemente atre­lados a questões nacionais, pro­blema que precisa ser enfrenta­do, mais cedo ou mais tarde.

Os mais otimistas dirão que a conferência deste ano foi me­nos atribulada que a de 2011, quando o final foi adiado diver­sas vezes, sem que houvesse substanciais avanços. Desta vez, em Doha, foi necessário apenas um adiamento, mas o esforço para cumprir o calendá­rio não significa grande coisa, quando se observa que o mais importante no encontro foi so­mente a prorrogação do mori­bundo Protocolo de Kyoto, de 2012 para 2020, de resto algo que já era previsto.

O Protocolo de Kyoto de 1997, que prevê metas de redu­ção de emissão de gases do efei­to estufa nos países industriali­zados, é o único instrumento jurídico global referente ao cli­ma. Um de seus mecanismos cria o mercado dos "créditos de carbono", títulos concedi­dos a empresas e países que re­duzem suas emissões de dióxi­do de carbono e outros gases de efeito estufa. Esses créditos podem ser negociados e com­prá-los significa, na prática, ob­ter permissão para elevar a emissão de gases. Em Doha, um dos grandes impasses deu- se justamente quando a Rússia e a Polônia defenderam o direi­to de usar, na segunda fase do compromisso de Kyoto, a par­tir de janeiro de 2013, os crédi­tos que acumularam durante o primeiro período do acordo. No entanto, havia o temor, ma­nifestado inclusive pelo gover­no do Brasil, de que o mercado fosse inundado por esses crédi­tos, reduzindo dessa forma o valor do carbono e facilitando as emissões, o que é o exato oposto do objetivo do acordo. Ficou acertado então um limi­te para a venda dos títulos, o que deixou a Rússia insatisfei­ta, a tal ponto que Moscou ana­lisa a hipótese de tomar provi­dências jurídicas contra o re­sultado das discussões.

Outro problema importante que ficou sem solução em Doha foi o da ajuda dos países desenvolvidos para que os paí­ses em desenvolvimento pos­sam enfrentar os efeitos das mudanças climáticas. Houve pedidos para a criação de um pacote de socorro de US$ 60 bilhões até 2015, uma espécie de adiantamento dos prometi­dos US$ 100 bilhões anuais até 2020, conforme acertado na conferência de 2009, em Copenhague. Os países desenvolvi­dos confirmaram seu compro­misso, mas deixaram claro que, em razão das restrições or­çamentárias provocadas pela crise na Europa, não é possí­vel, por ora, ir além da realiza­ção de "reuniões de trabalho" no ano que vem para ver de que maneira a meta poderá ser cumprida. A ministra brasilei­ra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, disse que a conferên­cia foi "um sucesso", mas quei­xou-se de que os países ricos não estão apoiando suficiente­mente as nações em desenvol­vimento, e considerou tal com­portamento "inaceitável".

É evidente que o governo de cada país tem de atuar segun­do os seus interesses nacio­nais, e seria um contrassenso esperar o contrário. Também não é correto supor que os Es­tados ricos estejam inertes an­te o problema do clima ou, co­mo quer fazer crer a propagan­da ideológica abrigada pelos movimentos ambientalistas, que esses Estados boicotem as soluções globais, para preser­var seus privilégios. No entan­to, hoje há consenso de que o aquecimento global não é mais uma questão de opinião e que cada ano perdido em negocia­ções tão pomposas quanto inú­teis servirá somente para agra­var a situação. Um novo trata­do climático terá de ser fecha­do até 2015, em Paris, para que entre em vigor em 2020, em substituição ao de Kyoto. As­sim, está mais do que na hora de os países poluidores, tanto os desenvolvidos quanto os emergentes, aceitarem sem mais procrastinação sua obriga­ção de unir esforços para rever­ter as mudanças climáticas.