Título: Atrofia e inchaço no Mercosul
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 08/12/2012, Notas e informações, p. A3

A crise internacio­nal torna ainda mais importante a integração latino-americana, disse a presidente Dilma Rousseff, ao discur­sar em mais uma inútil reunião de cúpula do Merco­sul. Essa retórica teria algum sentido se o bloco criado por Argentina, Bra­sil, Paraguai e Uruguai e inchado com o ingresso recente da Venezuela bolivariana tivesse uma história de sucesso. Mas a história real é outra e dificilmente será melhorada com a participação do caudilho Hugo Cha­vez em suas decisões ou com o in­gresso da Bolívia (o protocolo de ade­são foi assinado na sexta-feira pelo presidente Evo Morales). Fundado há 21 anos, o Mercado Comum do Sul - este é seu nome completo -continua longe de cumprir as quatro condições necessárias à realização de seus objetivos, a começar pelo es­tabelecimento da "livre circulação de bens, serviços e fatores de produ­ção entre os países do bloco". As pa­lavras entre aspas constam de um material informativo do Itamaraty. Talvez impressionem pessoas pouco informadas sobre o assunto.

Apesar do falatório sobre integra­ção, o comércio no interior do Mer­cosul continua prejudicado por bar­reiras protecionistas. Além de cotas, complicadas licenças de importação e pequenos truques para atrapalhar os negócios, o intercâmbio regional inclui uma aberração conhecida pelo nome de regime automotivo, renova­do e alterado de tempos em tempos para atender aos interesses das mon­tadoras e fábricas de autopeças insta­ladas na Argentina. Serão necessá­rios mais 21 anos para se chegar à li­vre circulação de bens?

O estabelecimento de uma tarifa externa comum (TEC) e de uma polí­tica comercial conjunta é a segunda condição indicada no material infor­mativo do Itamaraty. Cheia de furos, a TEC é em grande parte uma ficção. Esse tipo de tarifa é uma característi­ca de uniões aduaneiras. Mas esse status é uma anomalia, porque nem as características de uma zona de li­vre comércio são encontradas no Mercosul.

A coordenação de políticas macroe­conômicas e setoriais, terceira condi­ção, só é mencionável como piada, as­sim como o quarto item, o compro­misso de "harmonizar a legislação nas áreas pertinentes" para "fortale­cer o processo de integração".

O comércio entre os países-mem­bros de fato cresceu, ao longo dos 21 anos. Mas teria crescido muito mais se os sócios do bloco tivessem consti­tuído apenas uma área de livre co­mércio digna desse nome, sem a am­bição de estabelecer uma união adua­neira. Essa união só tem servido para impedir os países-membros de nego­ciar separadamente acordos comer­ciais de seu interesse com parceiros de fora. Um dos resultados tem sido a prioridade a acordos com merca­dos em desenvolvimento e pouco sig­nificativos, um reflexo da aliança ter-ceiro-mundista do kirchnerismo com o petismo.

Do ponto de vista comercial, a ade­são da Venezuela e da Bolívia pouco acrescentará a um bloco emperrado pelo protecionismo, pela incapacida­de de criar cadeias produtivas e pela dificuldade de negociar acordos com países desenvolvidos. Essa difi­culdade será agravada, se os novos sócios decidirem agir, provavelmen­te em conjunto, contra acordos com aqueles parceiros.

Além do mais, nem a TEC tem im­pedido a presença crescente, no Mer­cosul, de produtos da China e de ou­tros países de fora do bloco. Para a in­dústria brasileira, a perda de merca­do tem sido acelerada pelo protecio­nismo argentino. Esse protecionis­mo tem prejudicado os produtores brasileiros mais que os externos.

A presidente Dilma Rousseff deve conhecer esses fatos, mas prefere manter a diplomacia comercial defi­nida por seu antecessor e pelos con­selheiros por ele escolhidos. Conti­nua presa a um mundo de fantasia, incapaz de fixar políticas com base nos interesses objetivos da econo­mia brasileira. Também continua presa às ficções ideológicas da asso­ciação entre petismo e kirchneris­mo. Entre outros maus resultados, essa aliança produziu, no Mercosul, a suspensão do Paraguai e a admis­são da Venezuela. O Paraguai ficou fora da cúpula de Brasília, enquan­to a presidente brasileira celebrava a democracia com representantes de governos defensores do controle da imprensa e conhecidos por sua vocação autoritária.