Título: Quando a delação premiada cruza com a ética
Autor: Rosa, Vera
Fonte: O Estado de São Paulo, 16/12/2012, Nacional, p. A4

A delação premiada é instituto jurídi­co que atende o interesse estatal de persecução de crimes e o interesse do cidadão, que mudou sua escala de valores, de ver a responsabilidade crimi­nal excluída ou diminuída como resultado da colaboração com a Justiça. Está permeado de eticidade. De um lado, o valor positivo de o Estado eficiente e eficazmente combater a criminalidade; de outro, o valor ético da con­cessão de benefício legal para quem, reformulado os valores, pretende orientar a vida ade­rente às normas jurídicas e sociais. Não se pode é prestigiar uma ética torta, fixada na fidelidade de membros de grupo criminoso.

Pode-se bem ou mal utilizar o instituto. No mensalão, Marcos Valério utilizou mal. Na operação Porto Seguro, pode Paulo Vieira utilizá-lo bem. Explico. Valério pretendeu no início das investigações colaborar com a Justiça fornecendo informações já do conhe­cimento das autoridades. Mais: ele não admi­tiu infrações das quais participara. Já em se­tembro, delineada a condenação, pretendeu a colaboração, contaminada, porém, de oportunismo, que degrada o instituto da de­lação. Marcos Valério não almejou o favor legal porque arrependido ou porque reformu­lados seus valores, mas para fugir da alta e inevitável condenação. Se a nova colabora­ção tem valor, sê-lo-á para os novos delitos imputados a novos agentes, por exemplo, a Humberto Costa, ao ex-presidente Lula e ao fiel Freud Godoy. Não vale, para ele, a possibi­lidade de delação a qualquer tempo, trazida pela Lei de Lavagem de Dinheiro. Ela diz res­peito aos crimes de lavagem tipificados nes­sa lei e não aos antecedentes.

Já para Paulo Vieira, eventual delação pre­miada, mesmo com a recente denúncia, pare­ce adequada. O inquérito policial foi encerra­do com muita brevidade sem explorar todos os veios de investigação e ele pode colaborar objetivamente com novos fatos de interesse para a investigação criminal. O instituto da delação premiada não acolhe espertos, mas pessoas sinceras e transparentes.

PROFESSOR DE DIREITO PENAL DA USP

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