Título: A omissão da AGU
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/12/2012, Notas e informações, p. A3

Apesar de o Supre­mo Tribunal Fe­deral ter concluí­do que houve des­vio de dinheiro público no caso do mensalão, em pelo menos duas oportunidades a Advocacia-Geral da União (AGU) dei­xou de pedir, durante a tramita­ção das ações civis e penais im­petradas contra os mensaleiros, que eles fossem obrigados a ressarcir integralmente ao Te­souro Nacional todos os prejuí­zos que causaram.

Nos dois casos, o órgão era chefiado por Luís Inácio Luce­na Adams - advogado gaúcho que, com a ascensão do Partido dos Trabalhadores (PT) ao po­der, em 2003, foi secretário exe­cutivo adjunto do Ministério do Planejamento e chefiou a Procu­radoria da Fazenda Nacional.

A denúncia foi feita pelo jor­nal O Globo. O primeiro caso en­volve o ex-presidente da Câma­ra dos Deputados João Paulo Cunha (PT-SP), que foi acusa­do pela Procuradoria-Geral da República - e condenado pelo Supremo - de assinar um con­trato de serviços com a empre­sa SMP&B, do empresário Mar­cos Valério, para "maquiar" o desvio de verbas do Legislativo.

O segundo caso envolve o ex-chefe da Casa Civil José Dir­ceu, o ex-tesoureiro do PT De-lúbio Soares, o empresário Mar­cos Valério e diretores do Ban­co Rural. Todos foram acusa­dos - e também condenados -pelos crimes de improbidade administrativa, enriquecimen­to ilícito e lavagem de dinhei­ro. Os valores por eles desvia­dos - mencionados nas ações cíveis e penais do mensalão totalizam R$ 41 milhões.

Assim que concluiu a etapa das condenações dos mensaleiros, há duas semanas, o Supre­mo - como era esperado - ini­ciou a discussão sobre a recupe­ração dos recursos por eles des­viados dos cofres públicos. Até o momento, a mais alta Corte do País já decidiu pela perda de bens do empresário Marcos Va­lério, para ressarcir o Tesouro pelo crime de lavagem de di­nheiro. A proposta do decano da Corte, ministro Celso de Mello, é estabelecer um valor mínimo a ser ressarcido pelos demais réus - inclusive Dirceu, Genoino e Delúbio Soares.

Ex-promotor de Justiça, Mel­lo afirmou, em plenário, que a AGU - o órgão encarregado de prestar assessoria jurídica à União e de defendê-la nos tribu­nais - não podia ter deixado de ingressar com medidas judi­ciais, durante o julgamento das ações do mensalão, para recupe­rar o dinheiro público desviado pelos mensaleiros. A mesma ob­servação já foi feita pelo Minis­tério Público Federal.

A ação por improbidade admi­nistrativa, com pedido de res­sarcimento dos prejuízos causa­dos pelos réus do mensalão, foi impetrada em 2007. Quatro anos depois, a Procuradoria-Ge­ral da República defendeu o in­gresso da União no processo co­mo polo ativo. Contudo, a AGU não tomou essa iniciativa. "Não se mostra pertinente o ingresso da União, seja pela ausência de elementos próprios a reforçar o quadro probatório, seja porque o interesse público já se encon­tra devidamente resguardado pela atuação do Ministério Pú­blico", justificou o órgão, em se­tembro de 2011.

Além disso, a Advocacia-Geral da União omitiu-se quando, na ação de improbidade admi­nistrativa aberta contra João Paulo Cunha, a Justiça exigiu que a União se posicionasse so­bre seu interesse em atuar ao la­do do Ministério Público. O ór­gão simplesmente não respon­deu à intimação judicial. Em re­portagem publicada pelo Globo, em novembro de 2011, sobre as dificuldades enfrentadas pela União para reaver o dinheiro público desviado pelos mensa­leiros, a Advocacia-Geral da União afirmou que a reparação pecuniária já era objeto de ações propostas por procurado­res federais. O órgão também alegou que "o ingresso da União (nas ações do mensalão) poderia atrasar a tramitação do processo, impondo a necessida­de de sua intimação em todos os atos processuais". E ainda disse que, por não ter havido "investigação por parte de ou­tros órgãos de controle (como a Corregedoria-Geral da União e o Tribunal de Contas da União)", a União não teria "legitimidade" para atuar no caso.

A flagrante omissão da Advo­cacia-Geral da União mostra o risco que o País corre quando órgãos de Estado são aparelha­dos politicamente e deixam de zelar pelos interesses maiores da Nação.

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