Título: Investigação blindou ministra, diz acusado de chefiar quadrilha
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/12/2012, Nacional, p. A4

Paulo Vieira, alvo da Ope­ração Porto Seguro e apontado como chefe de quadrilha que corrompia servidores de órgãos fe­derais para compra de pareceres técnicos, saiu da trincheira do silêncio e acusa o Ministério Públi­co Federal e a Polícia Federal de "blindarem a ministra Izabella Teixei­ra", do Meio Ambiente. Ele afirma que a ministra fez "pressão" para que fosse aprovado projeto de interesse do ex-senador Gilberto Miranda, de­nunciado por corrupção ativa.

Ex-diretor da Agência Nacional de Águas (ANA), cargo que assumiu em 2010 por indicação da amiga Ro­semary Noronha, ex-chefe de gabi­nete da Presidência da República em São Paulo e acusada de integrar o grupo, ele nega que tenha pago propina a Cyonil Borges, do Tribu­nal de Contas da União, que dela­tou o esquema.

Vieira se apresenta como "um petista de baixo clero" e defende Rose categoricamente. Revela-se indigna­do e amargurado. Recorre a Deus fre­quentemente, a quem pede proteção nesta etapa difícil de sua vida.

Classifica a ANA de "cabide de em­prego". Desafia que provem contra ele prática de ilícitos e diz não ter in­tenção de delatar outros nomes - em conversas reservadas havia admitido a possibilidade de contar o que sabe, como divulgou o Estado.

Vai provar, avisa, sua inocência à Justiça. Aponta laços entre o ex-mi­nistro dos Portos Pedro Brito e Mi­randa. "Tenho provas de tudo."

Repudia o papel que lhe é imputa­do pela acusação. "Que quadrilha é essa que supostamente só participou de dois pareceres em anos de "ativida­des"? Onde está o dinheiro de propi­nas que recebi?"

• Como vai se defender?

Pretendo responder a todas as acu­sações na Justiça, apresentando do­cumentos comprobatórios e teste­munhas contra cada uma das acusa­ções. Confio plenamente na Justiça e no Estado de Direito. Estou so­frendo uma grande injustiça, junta­mente com os meus irmãos e diver­sos amigos. Espero que Deus me aju­de! O meu irmão Marcelo, um dos supostos chefes da "quadrilha", não tem o 2.° grau completo, é um ex-garçom do Flat Lorena, na Avenida Rebouças, em São Paulo. A Rose não tem o 2.° grau completo, nunca esteve com a maioria das pessoas ci­tadas. A sua principal função no Ga­binete Presidencial era marcar reu­niões entre autoridades e membros da sociedade civil.

• Qual a sua participação no projeto da Ilha de Bagres, de interesse do ex-senador Gilberto Miranda?

O projeto referente à Ilha de Ba­gres, no dia do parecer criminaliza­do pelo MPF e PF, já tinha licença do Ibama, mas não fui sequer cha­mado a prestar esclarecimentos. O MPF e a PF querem blindar a minis­tra Izabella Teixeira e a diretora do Ibama, sra. Gisela Damm Forattini, diretora de Licenciamento Ambien­tal, que recebia gente do Gilberto Miranda sempre. O sr. Pedro Brito, atual diretor da Antaq (Agência Na­cional de Transportes Aquaviários), indicado pela presidente Dilma, enquanto ministro deu sinal verde para a construção do empreendimento na Ilha de Bagres. Aliás, foi em cerca de 10 linhas, sem registro em processo da Secretaria dos Portos. O MPF e a PF querem me culpar de coisas que não fiz e não tinha poderes e influências pa­ra isso. É só pegar a licença do Ibama e o processo de criação do Porto na An-taq. O sr. Pedro Brito é amigo pessoal do sr. Gilberto Miranda.

• Como eram esses encontros?

A pessoa do sr. Gilberto Miranda, Luiz Awazo, se encontrava constantemente com sra. Gisela. Ela foi a Santos visitar e defender o empreendimento. A sra. Gisela fazia os trabalhos com conheci­mento e apoio da ministra Izabella, que pediu as mudanças de parecer da AGU sobre o tema em janeiro de 2012. Não posso afirmar que houve reunião da própria ministra com o pessoal de Gilberto Miranda. Com o sr. Pedro Bri­to, diretor da Antaq, as reuniões eram pessoalmente entre ele e Gilberto Mi­randa. O sr. Pedro Brito comemorou o seu aniversário em 2011 na casa de Gil­berto Miranda. O ex-presidente da An-taq Fernando Fialho, na gestão em que o processo chegou à Antaq, é amigo pessoal de Gilberto Miranda, inclusive este foi padrinho de casamento de uma das suas filhas. Toda essa celeu­ma é referente a um único parecer fei­to pelo dr. Arnaldo Godoy, consultor-geral da União, em um caso que veio da Antaq, referente a Ilha de Bagres. Ajudei a fazer o parecer, a partir da per­missão da Lei n.° 9.794/99, pois era di­retor de órgão do Meio Ambiente, a ANA, e membro do Conama, recente­mente indicado pela ministra Izabella Teixeira.

• O MPF imputa ao sr. papel central no "núcleo principal da quadrilha".

Não conheço a denúncia, pois o meu advogado ainda não teve acesso, estou falando com base no inquérito da PF. No Brasil de hoje o advogado conhece a denúncia depois da imprensa. Não falsifiquei nem mandei falsificar docu­mento nenhum e vou levar as compro­vações à Justiça. É preciso o MPF apon­tar quais os pareceres que foram su­postamente vendidos. São quantos, on­de estão e em que datas foram vendi­dos, quem são os empresários beneficiados. E em que órgãos foram feitos.

• O MPF diz que o sr. "tinha como meio de vida o trabalho de intermediação dos interesses particulares de empresários".

É preciso o MPF fazer uma pesquisa dos meus trabalhos na ANA e na Co-desp. Vou levar à Justiça. Escrevi diver­sos trabalhos sobre água, fiz mais de 200 relatórios e votos na ANA, acima da média dos demais diretores. Estive em mais de 90% das reuniões colegia­das da ANA. Participei de missões ofi­ciais na China e em Portugal e fiz tra­balhos em quase todos os Estados da Federação.

• Despachava no gabinete de Rose?

Rose é minha amiga pessoal, fui padri­nho de casamento de uma das filhas dela. É pessoa honesta e trabalhadora. Não despachava no gabinete dela, mas acho que atendi autoridades públicas lá umas três, quatro vezes, é só levan­tar no serviço de segurança. Nossa rela­ção privada não pode ser criminaliza­da pelo MPF.

• O MPF acusa o sr. e Rose por tráfico de influência.

O MPF quer ditar os limites de rela­ções privadas entre servidores do Esta­do brasileiro, em situações fora das de do projeto do porto com a emissão de uma licença-prévia em outubro, "depois de três anos do requerimento". "Todo o processo foi conduzido pela Diretoria de Licenciamento, com equipe técnica defi­nida e seguindo todos os ritos e procedi­mentos do Ibama", disse, por meio de nota. "O fato de doutora Gisela (Forattini, diretora do Ibama) receber em audiên­cia o empreendedor é rotina", afirmou. "O processo de licenciamento seguiu os ritos legais e técnicos. Desconheço qual­quer informação que comprometa tecni­camente e procedimentalmente a análi­se e tomada de decisão", completou a ministra. "O Ibama já prestou informa­ções ao Ministério Público sobre o licen­ciamento". Ela lembrou que Gisela é fun­cionária de carreira e teve o nome prete­rido para integrar a diretoria da Agência Nacional de Águas justamente para que Vieira assumisse o posto.

atribuições dos nossos cargos! É uma acusação absurda, sem provas. A indi­cação para esse tipo de cargo é um mis­to entre capacidade técnica e articula­ção política. Fui apoiado por muitas pessoas, saí pedindo apoio no meio po­lítico, inclusive para Rose. Todos os di­retores da ANA são indicados por polí­ticos. Vicente Andreu, ex-diretor da CUT, indicado de Zé Dirceu, é meu ini­migo; Paulo Varela, indicado pelo Gari­baldi Alves; Dalvino, indicado pelo PSB; e João Lotufo, indicado pelo ex-deputado petista José Machado, de Pi­racicaba (SP). A ANA é um dos maio­res cabides de emprego e cargos comis­sionados do governo, um orçamento milionário, gasto com ONG, a maioria sem licitação. É preciso o MPF fiscali­zar a ANA e verificar a situação de to­da ela, não perseguir um único diretor.

• O sr. conversou com o ex-presidente Lula sobre sua nomeação?

Nunca falei com o presidente Lula so­bre isso, pois a primeira vez que falei com ele já era diretor da ANA havia quase um ano. Nunca tive relação com o presidente. Como a maioria dos bra­sileiros, tenho muita admiração por ele. Conheço o ex-ministro Dirceu, mas não tenho relação de amizade. Ele não fez qualquer movimento político para me indicar.

• Trocou favores com Rose?

Rose fez as reformas de um flat meu em São Paulo e de um pequeno restaurante de um irmão meu tam­bém em São Paulo. O marido dela tem uma pequena construtura. O ex­marido da Rose já havia feito cursos superiores na FMU e nas Faculda­des Tibiriçá. Em Dracena foi feito aproveitamento de estudos, há pre­visão na legislação. Não há diploma falso. Eu não pedi camarotes para parentes da Rose a nenhuma empre­sa. A filha e o primo da Rose que fo­ram contratados para cargos de co­missão no governo são qualificados. A viagem de navio foi um pagamen­to de gastos que a Rose teve comigo em data anterior. Até médico a Ro­se nos ajudava a arrumar, é uma grande amiga.

• Conhece Weber Holanda (ex-núme­ro 2 da AGU)?

Conheço, era meu amigo, na noite anterior à operação da PF estava na casa dele. Estive com ele na AGU di­versas vezes, pois era diretor de au­tarquia, conselheiro do Porto de Santos (Codesp) e membro do Co-nama (Conselho Nacional do Meio Ambiente). Era absolutamente nor­mal visitas à AGU. O dr. Weber era conhecido de Gilberto Miranda. O caso de Gilberto Miranda referente à Ilha de Bagres foi tratado pela pró­pria ministra Izabella Teixeira, com o ministro Luís Adams (chefe da AGU). No final de 2011 o procura­dor-geral federal Marcelo Siqueira emitiu parecer fechando a porta pa­ra o projeto. Por pressão da minis­tra do Meio Ambiente o sr. Marcelo Siqueira, com a aprovação do minis­tro Adams, anulou o seu parecer e fez outro, dessa vez autorizando a possibilidade de projetos na APP da Mata Atlântica. APP significa área de proteção ambiental. Quem fez a interpretação jurídica foi Siqueira, em janeiro de 2012, a partir de pedi­do da ministra Izabella Teixeira. No dia do parecer que o MPF e a PF consideram crime, parecer falso, comprado, foi assinada a licença am­biental do empreendimento. É uma loucura o que a PF e o MPF querem fazer a sociedade acreditar. A minis­tra Izabella tem de ir a público expli­car o que significa cada parecer e co­mo o Ibama e o Ministério se posi­cionam. O que fiz foi revisar oficial­mente a minuta de parecer da Con­sultoria Geral da União, na condi­ção de membro do Conama, indica­do pela ministra. Tenho documen­tos comprobatórios, acompanhei a posição da minha chefe no Ministé­rio, nos termos do estatuto do servi­dor público.

• O sr. é sócio de Gilberto Miranda?

Sou amigo dele, nos conhecemos em 2007, apresentado por amigos comuns. Fiz trabalhos jurídicos pa­ra ele. Até 2010, maio, a lei me per­mitia advogar. Virei diretor da ANA em maio de 2010, antes não tinha impedimento. Não tenho relação de sociedade com ele, nunca tive. Não tenho força política nenhuma, sou um petista de baixo clero. Participei de poucas reuniões do PT, não te­nho vida partidária ativa e não co­nheço pessoalmente os principais lí­deres. Rose é minha amiga pessoal, gosto muito dela e vou continuar gostando por toda a minha vida.