Título: Viés, cada um tem o seu
Autor: Bergamasco, Débora ; Recondo, Felipe
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/12/2012, Nacional, p. A6

O dinheiro está trocando de mãos como raramente ocorreu. No Brasil e no exte­rior, o rentismo deixou de ser uma opção para multiplicar o patrimônio. Ao contrário, nos países desen­volvidos a remuneração do capital fi­nanceiro é negativa. Quem vive de renda fica mais pobre. O jeito de fazer o dinheiro dar cria é investir em novos e velhos negócios, ou seja, arriscar.

O risco é a justificativa moral do "capitalismo quando acelera a redistri­buição do patrimônio. Alguns novos negócios vão dar certo, mas muitos vão dar errado. E o dinheiro vai tro­car de mãos ainda mais rapidamente. Tudo isso provoca desconforto. Rom­pe estruturas seculares, desconstrói estilos de vida, revoluciona a sedi­mentação social.

Com juro baixo ou negativo, é mais fácil ter dívida do que patrimônio. No Brasil, esse rearranjo provoca dores de parto e reações proporcionais às per­das. O impacto varia de setor a setor. Empresas voltadas para o mercado de consumo interno estão geralmente me­lhor do que as dependentes da econo­mia chinesa, que por sua vez estão me­lhor do que concessionárias de serviços públicos ou aquelas reguladas direta­mente pelo governo.

O intervencionismo pontual do Esta­do faz aumentar desigualdades. Benefi­ciários e prejudicados não são produzi­dos apenas pela aleatoriedade do merca­do, mas pela caneta da burocracia. A grita aumenta não só por reação às injusti­ças, mas por ficar claro aos atores econô­micos que quem não chora não mama.

No meio desse vendaval, alguns seto­res têm dose extra de drama. Estão sen­do batidos pela revolução digital e ex­perimentam a rápida agonia de suas fontes tradicionais de faturamento. Pa­ra esses setores, à perda das receitas financeiras soma-se o risco de perda do próprio negócio.

Por isso as percepções são muito díspares e dois observadores podem ter compreensões muito distintas do mesmo fenômeno. Depende de onde estão situa­dos, do seu ângulo de visão do problema. Todo observador tem seu viés. O desafio é estar ciente dele e tentar compensá-lo reconhecendo outros pontos de vista.

Em novembro, o índice de confiança do consumidor alcançou seu patamar mais alto nos dois anos de governo Dilma Rousseff. Os confiantes acham que sua renda aumentou e vai continuar aumentando, não temem perder o emprego e planejam consumir mais. Estreita­mente correlacionada ao INEG da GNI/ Ibope, a popularidade da presidente também bateu recorde em dezembro.

Os 78% de aprovação presidencial são difíceis de compreender pelos 17% , que desaprovam seu governo. Eles estão concentrados no Sul/Sudeste, nas periferias das metrópoles e entre quem tem diploma de faculdade, mas renda proporcionalmente mais baixa. As diferenças são pequenas, porém, tornando difícil isolar um fator que ex­plique a desaprovação.

Os consumidores confiantes não es­tão sozinhos no seu otimismo. Os empresários do setor de serviços também estão mais confiantes do que nos meses anteriores, segundo a FGV. Entre eles, não por coincidência, destacam-se os prestadores de serviços para as famílias. Servidores e servidos têm a mesma percepção.

Entre os empresários da indústria, a confiança cresceu pouco no mês passa­do, segundo a GNI. O índice continua abaixo da sua média histórica. Entre os industriais, as diferenças de percepção são grandes. A confiança é 13 pontos maior no setor farmacêutico do que no de manutenção e reparação. É 10 pon­tos mais alta na indústria de limpeza do que na de extração mineral.

Quando há reacomodação traumática do dinheiro, a política é um canal de desafogo. Perdedores vão tentar cavar compensações com o governo ou se entrincheirar junto à oposição. As tensões aumentam, acorda estica. Posições se radicalizam e adversários se distanciam. Nesse cenário, as visões se estreitam e é mais difícil encontrar um campo comum. Dimi­nuem os consensos e aumentam os conflitos. E o cenário para 2014.

"Unbrazilian". "They are quite "unbrazilian", very diffícult to break!" A repórter da TV inglesa buscava uma explicação para a derrota do milioná­rio Chelsea para um "pouco brasileiro" e "difícil de quebrar" Corinthians, na final do mundial de clubes. O time corredor, disciplinado e sem malaba­rismos não encaixa no estereótipo do futebol brasileiro de exportação.

O Corinthians chegou ao Japão gra­ças à melhor campanha defensiva da história da Libertadores. Sem um Neymar, seu astro foi o goleiro. Nem por isso o time é menos brasileiro. No meio dos 20 mil torcedores" corintianos em Yokohama, a faixa "the fa­vela is here" (a favela está aqui) mos­trava que o Brasil não cabe em um lugar-comum apenas.