Título: Chavista sugere manobra para adiar posse até recuperação do presidente
Autor: Cavalheiro, Rodrigo
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/12/2012, Internacional, p. A12

O presidente da Assembleia ve­nezuelana, Diosdado Cabello, defende que a posse de Hugo Chávez, marcada para o dia 10, seja adiada - mesmo que isso contrarie a Constituição -, caso o líder não se recupere até lá de sua mais recente cirurgia con­tra o câncer. É atribuição de Cabello convocar, em 30 dias, uma nova votação presiden­cial caso o presidente não assu­ma. Chávez se recupera de uma infecção respiratória detecta­da na segunda-feira.

"Não se pode submeter a deci­são de todo um povo a uma só data, por mais que o diga a Cons­tituição" afirmou na noite de ter­ça-feira em Caracas, após fazer um balanço da vitória na eleição regional de domingo, quando o chavismo conquistou 20 dos 23 governos estaduais. Cabello sa­lientou que essa era sua opinião e um desejo pessoal, não uma po­sição do Partido Socialista Uni­do da Venezuela (PSUV), do qual é vice-presidente.

Cabello, conhecido por seu trânsito entre os militares, é um dos nomes mais fortes do bolivarianismo, do qual faz parte desde que Chávez tentou um golpe em 1992. Para defender a "flexibiliza­ção" da Carta venezuelana, Ca­bello citou o exemplo de um pre­feito, "do qual não lembrava o no­me", que teve a posse adiada em três meses.

"Certamente a oposição esta­rá esperando 10 de janeiro para se apresentar diante do TSJ (Tri­bunal Supremo de Justiça) com a Constituição e pedir que se cumpra a letra. Mas eu creio que é preciso interpretar as leis posi­tivamente e não sobrepor a rigi­dez de uma data à vontade popu­lar", acrescentou. "

É a primeira vez que um mem­bro do alto escalão, cujo discur­so é "não trabalhar com hipóte­se que não seja a posse de Chá­vez", sugere qual seria a estraté­gia do governo no caso de o líder venezuelano não aparecer diante da Assembleia no dia 10.

O cientista político Alfredo Ramos Jiménez, da Universidad de Los Andes, vê na declaração de Cabello uma jogada pessoal. "Ele diz que é uma opinião pes­soal, mas tem interesse direto. Enquanto Chávez não puder as­sumir, neste "tempinho a mais", ele será o presidente. Além dis­so, já sabe que não seria o candidato do governo, uma vez que Chávez nomeou o chanceler Nicolás Maduro. Trata-se de um ca­pítulo da disputa interna", disse Jiménez. "A manobra não surpreende, pois eles dominam o Tribunal Supremo e todas as instituições importantes. Mas não deixa de ser um abuso", afirmou. Em entrevista coletiva ontem, Maduro disse que o Tribunal Su­premo de Justiça é uma "reserva jurídica e moral da república" pa­ra decidir, caso Chávez não pos­sa chegar dia 10", declarou o vice-presidente, Nicolás Maduro, em uma entrevista coletiva. "O co­mandante deixou orientações precisas e públicas do que o go­verno deverá fazer em qualquer cenário", completou.

Segundo o cientista político Oscar Reyes, identificado com o chavismo e um dos assessores que participou da redação da Constituição, é razoável esperar alguns dias. "O espírito da Carta é que haja uma transição rápida, pacífica e constitucional. Se hou­ver uma falta absoluta, sim, que se convoquem outras eleições. Mas por alguns dias, não. A mensagem de Cabello é também para os militares, algo como "fiquem tranqüilos7 se for preciso uma se­mana mais", afirmou.

Sucessão. Analistas creem que uma disputa presidencial sem Chávez, que ao longo de 14 anos tratou de controlar a ascensão de outro líderes, tende a ser mais equilibrada que a de outubro. Na ocasião, Henrique Capriles conquistou 6,5 milhões de votos, o melhor desempenho contra o chavismo. Chávez teve 8 milhões de votos, em uma disputa marca­da pela alta participação - 80%.

Para a historiadora Margarita López Maya, da Universidade Central da Venezuela, a tendên­cia em uma nova eleição presir dencial seria um triunfo da situa­ção. "Com a vitória de domingo, o governo está numa posição muito favorável para ganhar de novó se uma nova disputa presi­dencial for convocada no início do ano", avalia Margarita. Ela e três outros analistas ouvidos pelo Estado creem que uma demo­ra conta a favor da oposição.

O mais provável nome chavis­ta em uma nova disputa nacional seria o de Maduro, chanceler e vice-presidente nomeado por Chávez ao partir para Havana pa­ra a operação classificada por ele como de "alto risco". O rival de Maduro tende a ser Henrique Ca­priles, que domingo se reelegeu governador de Miranda, Estado que engloba metade de Caracas. "As eleições presidenciais são di­ferenciadas. Não se vota tanto pelo partido, mas na pessoa. Co­mo se diria no Brasil para o fute­bol, é marcação homem a ho­mem", afirma o cientista políti­co Carlos Romero, da Universi­dade Central da Venezuela.

Embora tenha se mantido coe­sa em tomo de um nome, a oposi­ção perdeu no domingo quatro Estados considerados estratégi­cos. O chavismo passou ainda a controlar 22 das 23 assembleias legislativas.