Título: Abismo na educação
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/12/2012, Notas e informações, p. A3

O fracasso das po­líticas públicas para o ensino médio no Bra­sil ficou ainda mais evidente pelos resultados, por escola, do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) de 2011. Nesta edição, o Ministério da Educa­ção deixou de fora escolas que tiveram participação de menos de 50% de seus alunos - a ins­crição no exame não é obriga­tória. Com isso, foram excluí­dos da lista vários colégios par­ticulares tradicionais que ha­viam obtido boas notas na edi­ção anterior, em 2010, mas cujos alunos não se interessam pelo Enem como forma de in­gressar na universidade. Mes­mo assim, das 100 escolas de melhor desempenho, apenas 10 são públicas, e quase todas são ligadas a instituições mili­tares, a universidades federais e ao ensino técnico - cujo pro­cesso de ingresso de estudan­tes é tão disputado quanto o das melhores faculdades. Considerando-se que as escolas pri­vadas respondem por somente 12,2% do total de matrículas no ensino médio no Brasil, o quadro é devastador. Formalmente, o exame não se presta a medir a qualidade das escolas, e sim a competên­cia dos alunos, razão pela qual é usado como meio de seleção para universidades. No entan­to, os resultados deixam claro não só que as escolas particula­res continuam mais bem prepa­radas para ensinar as discipli­nas exigidas no processo de se­leção, como também que as es­colas públicas não consegui­ram acompanhar as mudanças do Enem. Resultado: o número de escolas da rede pública en­tre as 100 que obtiveram os melhores resultados caiu de 13. para 10 entre 2010 e 2011; já en­tre as 50 mais bem colocadas, o total recuou de 6 para 3. A crise no ensino médio fica ainda mais evidente quando se constata que 92% das escolas estaduais, onde está a maioria dos alunos, obtiveram pontua­ção abaixo da média geral na prova objetiva. No ranking, a primeira escola, ligada à Uni­versidade Estadual do Rio, apa­rece somente na 6 coloca­ção. A primeira escola estadual sem nenhum vínculo com uni­versidades ou com ensino téc­nico surge num distante 248.0 lugar. O Rio, Estado de melhor desempenho na rede pública estadual, teve apenas 18% das escolas com notas acima da média geral Em São Paulo, fo­ram 14%. No Ceará, apenas 2%. O ministro da Educação, Aloizio Mercadante, torturou os números para extrair con­clusões positivas dos resulta­dos. Ele afirmou que a média da pontuação dos 37,5 mil alu­nos de escolas públicas mais bem colocados - isto é, dos es­tudantes que teriam direito a cotas nas universidades fede­rais - foi de 630,4, contra os 569,2 obtidos, em média, pelo total de estudantes das escolas particulares. Logo, segundo Mercadante, os alunos de esco­las públicas não farão feio ao ingressar nas universidades por meio das cotas. Nem é o ca­so de notar que se trata de com­parar bananas com abacaxis -afinal, essa elite das escolas pú­blicas, festejada pelo ministro, vai disputar vagas em universi­dades não com a média geral dos alunos das escolas priva­das, mas com a elite dessas es­colas, cujo desempenho é.signi­ficativamente melhor. Ademais, é o caso de pergun­tar ao ministro por que razão ele defende as cotas se os alu­nos das escolas públicas pare­cem, em sua opinião, tão bem preparados para enfrentar o vestibular e a concorrência das escolas privadas. A realidade, essa madrasta, mostra porém que a aposta nas cotas é o que resta a um governo que não in­veste na melhoria do ensino público; cujos resultados pio­ram a cada ano. A conta dessa distorção não tardará a ser co­brada. Em 2015 haverá reserva de 50% de vagas universitárias federais para alunos da rede pú­blica, ou 150 mil matrículas. Se­gundo os números do Enem de 2011, a média dos 150 mil me­lhores alunos das escolas públi­cas, que teriam direito às cotas em 2015, foi de 582,2 pontos, bem abaixo do desempenho dos alunos da rede particular. E mesmo excluídas do cálculo as notas da prova de redação, que normalmente pioram o re­sultado dos alunos de escolas públicas, a média geral da rede pública foi de 474,2 pontos, muito distante dos 569,2 pon­tos obtidos nas escolas priva­das. São fatos que a demagogia das cotas não corrigirá.