Título: Competitividade em xeque
Autor: Pedrosa, Paulo
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/12/2012, Economia, p. B2

Em meio aos ataques que investidores, concessionários de energia e até governos fazem a uma medida histórica que reduz o preço da energia para promover competitividade, nada mais natural que a indústria brasileira saia em sua defesa. É natural porque a indústria, junto com todos os outros consumidores, pagou nas últimas décadas pela rentabilidade e os investimentos realizados por essas empresas. É natural, também, porque a indústria está combalida diante de competidores internacionais, que usam a energia como forma de promover política industrial e que intensificaram este movimento desde que a crise econômico-financeira assolou o mundo em 2008. Para dar apenas dois exemplos, a França, em 2011, aprovou uma lei que destina 25% da energia produzida pelas usinas nucleares históricas da EDF - ou seja, com investimento já amortizado - a preços diferenciados para grandes indústrias. A Alemanha, em apenas um ano, reduziu em 20% os preços exclusivamente para a produção industrial.

A Medida Provisória (MP) 579 sem dúvida está pautada pela competitividade. Mas o governo federal precisa estar ciente de que todo esse esforço e desgaste poderá ter sido em vão se um detalhe não for observado: a queda dos preços não chegará, nos próximos dois anos, a boa parte da indústria brasileira, em especial às grandes consumidoras de energia, se a MP não for alterada. Não chegará por uma questão técnica simples. As quotas de energia barata das concessões vincendas de geração foram destinadas exclusivamente ao mercado cativo, que atende consumidores ligados às distribuidoras. Mas quase 60% da energia usada pela indústria tem origem no mercado livre e, por isso, tais consumidores não receberão o que lhes cabe.

O efeito dessa falta de isonomia poderá ser perverso. Alguns executivos do governo defendem a ideia de que não é preciso destinar as quotas dessa energia igualmente a todos os consumidores, pois a oferta nos dois mercados tenderia a se equilibrar, já que a quantidade de energia no sistema continuará a mesma. Isso é verdade, mas o que não está sendo levado em consideração nessa análise é que os preços são suscetíveis à oferta do momento e que, em 2013, ela será escassa no mercado livre em razão da antecipação da entrega da energia das concessões de geração exclusivamente ao mercado cativo. Essa antecipação é condição para que os concessionários tenham direito à prorrogação e foi uma opção do governo para incentivar a economia já a partir de janeiro de 2013. Em meio a um cenário mundial preocupante e números do PIB que apontam para um crescimento marginal, é de fato urgente que os incentivos à competitividade sejam imediatos.

A presidente Dilma tem dito reiteradas vezes que é preciso estimular a produção brasileira, e ela certamente está pautada por dados que acenderiam a luz amarela na mesa de qualquer comandante. A indústria química, por exemplo, que tem na energia 40% de seu custo de produção, amargará este ano mais um recorde de déficit na balança comercial. Segundo dados da Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim), as importações acumuladas até novembro superaram as exportações em US$ 27 bilhões, volume maior que os US$ 25,9 bilhões registrados em todo o ano passado, que já havia sido considerado um "rombo". A indústria do alumínio, pouco beneficiada pela MP, ainda está ameaçada de ver fábricas fecharem pelo alto custo da energia. A indústria do aço registrará a primeira queda de produção desde 2008. Unidades industriais do setor de vidro estão paralisadas.

Fica o alerta: se a MP 579 não for aperfeiçoada num pequeno detalhe, que dará isonomia entre consumidores cativos e livres, ela não só não trará a competitividade necessária à base das cadeias produtivas, como poderá comprometer a sustentabilidade do mercado livre, também um fator importante para o desenvolvimento da indústria nacional e do setor elétrico do Brasil. Além disso, o esforço fiscal e regulatório de antecipar a renovação das concessões em favor da competitividade poderá ter sido inútil.