Título: Escutas flagram chefe de agência tratando de negócios com acusado da Porto Seguro
Autor: Boghossian, Bruno ; Macedo, Fausto
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/01/2013, Nacional, p. A4

O diretor-geral da Agência Na­cional de Transportes Aquaviários (Antaq), Pedro Brito, dis­cutiu processos de interesse da quadrilha desmontada pela Operação Porto Seguro com o ex-senador Gilberto Miranda, denunciado por corrupção ati­va por participar da compra de pareceres de órgãos públicos.

Em um telefonema intercepta­do pela Polícia Federal em 16 de novembro, o ex-senador e o diretor-geral da Antaq se referem a um empreendimento portuário como "nosso" e conversam so­bre os efeitos do novo marco re- gulatório do setor, que só seria editado pela presidente Dilma Rousseff três semanas depois.

O diálogo revela a proximida­de entre Brito e Miranda. Ambos se despedem marcando um café da manhã. Em entrevista ao Es­tado, em dezembro, o ex-dire­tor da Agência Nacional de Águas (ANA) PauloVieira, apon­tado pela Polícia Federal como o chefe da quadrilha dos pareceres, disse que Brito beneficiou projetos de Miranda eque come­morou seu aniversário em 2011 em uma casa do ex-senador em São Paulo. Em nota, o diretor da Antaq diz que não tem "nenhuma relação especial" com Miranda (mais informações ao lado).

Segundo a PF, o ex-senador tem participação em empresas que construíam complexos por­tuários que dependiam de medi­das administrativas da Antaq - como um complexo portuário na Ilha de Bagres, em Santos, no lito­ral de São Paulo. Um "pente fino" realizado pela Advocacia-Geral da União (AGU) nos procedi­mentos da agência detectou irre­gularidades que favoreceram em­presas investigadas na operação.

Diálogo. No telefonema de cin­co minutos, o ex-senador diz ao chefe daAntaq que estava preocu­pado com mudanças que seriam provocadas pelo decreto 7.861, que integrou a atuação dos ór­gãos públicos do setor para redu­zir a burocracia. Miranda temia que a Secretaria Especial de Por­tos (SEP) assumisse a responsa­bilidade de aprovar os empreendimentos do setor. Acreditava que a alteração reduziria o poder da Antaq, onde estavam alojados servidores ligados à quadrilha.

"A SEP passaria a aprovar proje­tos depois da edição?", pergunta Miranda ao diretor da agência."Não é isso. Continuatudo do mesmo jeito", responde Brito. O diretor-geral da Antaq diz a Gilberto Miranda que amedida provi- sória mudaria apenas a relação for­mal entre a agência e a secretaria, e que "na prática não mudanada".

ex-senador também pergun­tou a Brito se um de seus proje­tos se encaixava na categoria de estaleiro - empreendimento que não é de competência da Antaq.

"Agora, eu pergunto pra você: o nosso é estaleiro?", questiona Gilberto Miranda. "O nosso não é estaleiro. O nosso é um comple­xo de várias coisas", diz o diretor-geral da Antaq. "Ao menos que você tenha mudado", completa. "Não, não, não. É um complexo de tudo", explica o ex-senador.

Namesma semana do telefone­ma, Miranda conversou com ou­tros integrantes da organização sobre a construção do empreendi­mento portuário da Ilha de Ba­gres. Dois dias antes, ele havia re­cebido a notícia de que a Advoca- cia-Geral da União emitiria um parecer que concederia à Antaq a responsabilidade por decretar a utilidade pública do empreendi­mento - o que facilitaria as obras.

No fim do telefonema gravado em novembro, Miranda pede a Brito informação sobre medidas para o setor que seriam tomadas pela Presidência. "Você acredita que a presidente solta o decreto semana que vem?", pergunta Mi­randa. "Na semana que vem, não vai dar. Na próxima semana, quando ela chegar deviagem, ela vai passar tudo e talvez na outra semana. Vai depender um pouco da agenda dela", explica Brito.

A previsão do diretor da Antaq foi quase certeira: 20 dias depois, em 6 de dezembro, Dilma editou o decreto que integrou as autoridades portuárias do governo e publicou a medida provisória que criou novas regras para o setor.

Brito é uma das 18 autoridades com prerrogativa de foro flagra­das em telefonemas ou citadas pela quadrilha nos diálogos gra­vados durante a operação. O Su­premo Tribunal Federal, a Procuradoria-Geral da República e o Congresso decidirão se essas pessoas serão investigadas.

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