Título: Nada mudou na Cracolândia
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Fonte: O Estado de São Paulo, 07/01/2013, Notas e informações, p. A3

Ao completar um ano, confirma-se aquilo que ficara evidente desde as primeiras ções da Opera­ção Centro Legal, destinada a combater o uso e o tráfico de drogas na Cracolândia, cuja si­tuação, sem falar no drama hu­mano vivido pelos dependen­tes, é uma das principais res­ponsáveis pela degradação da região central da capital paulis­ta - ela é um total malogro. Apesar dos esforços das autori­dades para demonstrar que, se o seu otimismo inicial era exa­gerado, mesmo assim houve al­gum progresso, a verdade é que a situação piorou em al­guns aspectos.

De acordo com dados da Se­cretaria Estadual da Justiça, que coordena as ações na Cra­colândia, foram realizadas 152.995 abordagens de depen­dentes e feitas 1.363 interna­ções para tratamento. Houve 763 prisões em flagrante, das quais 211 de condenados pela Justiça, e foram apreendidos 100 quilos de drogas, sendo um terço de crack. Qualquer um que passe pela região, de dia ou de noite, constata que esses números pouco signifi­cam. Tudo continua quase co­mo antes da operação - cente­nas de dependentes consumin­do crack nas ruas, comprado à vista de todos. Um exemplo é a Rua Helvétia, um dos princi­pais pontos de atuação da polí­cia no início da operação.

O "quase" vai por conta de um agravamento do quadro, provocado pela dispersão dos dependentes. A tática da Polí­cia Militar de obrigá-los a circu­lar constantemente para evitar sua concentração em alguns poucos locais - as chamadas "procissões" - se revelou equi­vocada. E desastrada. Em consequência dessa migração for­çada, existem hoje várias mini-cracolândias, espalhadas tanto pelo espaço original da Craco­lândia como por bairros vizi­nhos, principalmente Santa Ce­cília. Até por um bairro como Higienópolis circulam peque­nos grupos de dependentes.

Outra conseqüência negativa dessa dispersão é que ela com­plica o trabalho dos agentes de saúde e de assistência social. Sua abordagem dos dependen­tes, divididos agora em peque­nos grupos que se deslocam com frequência, para tentar convencê-los a se tratar - uma ação de importância fundamen­tal para a solução do problema -, ficou agora ainda mais difícil.

Outros equívocos marcaram a ação da polícia. Em vez de promover as "procissões" que deram no que deram, a polícia deveria ter concentrado seus esforços no combate ao tráfico de drogas. Salta aos olhos que a caça aos pequenos trafican­tes, que agem às claras e cujo rastreamento pode levar aos graúdos, é mais fácil num espa­ço relativamente pequeno e bem delimitado como o da Cra­colândia.

Mas o principal equívoco, do qual os demais decorrem, foi a falta de coordenação - pelo me­nos na primeira fase da opera­ção - entre a ação policial e a dos agentes de saúde e de assis­tência social. A ação desses últi­mos não predominou como de­veria, porque nem o governo do Estado nem a Prefeitura da capital dispunham dos recur­sos humanos e de clínicas de tratamento e recuperação de dependentes em quantidade suficiente.

Há felizmente alguns sinais de que o governo do Estado, embora sem admitir isso expli­citamente, está disposto a corri­gir os rumos da Operação Cen­tro Legal. O primeiro deles é o reconhecimento pelo governa­dor Geraldo Alckmin daquilo que sempre foi evidente para os especialistas, isto é, que este é um trabalho lento, que exige paciência. O problema não po­de ser resolvido com operações rápidas e ruidosas. "A gente tem consciência do problema. Não vai resolver rápido. É uma tarefa permanente", diz ele.

Outro sinal animador é a dis­posição manifestada pelo go­vernador de promover, em ação coordenada com a Justi­ça, o Ministério Público e a OAB, a internação involuntária de dependentes de drogas. Um grupo de juizes e promotores poderá determinar a interna­ção, com base em parecer de equipe médica, mesmo sem o consentimento dos dependen­tes, mas com a concordância da família. Isto valerá, segundo Alckmin, "para os casos mais graves, que comprometem a vi­da e a saúde das pessoas".

Logo saberemos se isso são apenas boas intenções.