Título: O PT em seu labirinto
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/01/2013, Notas e informações, p. A3

Agita-se o Partido dos Trabalhado­res (PT). Após a agressiva mobili­zação em defesa dos condenados no processo do mensalão, a vanguarda petista começa a propor, a seu modo, uma refle­xão sobre os rumos do partido, aquele que se orgulhava de ser modelo de correção radical e que hoje é pilhado em sucessi­vos escândalos. Ingênuos po­dem ver nisso um mea culpa, um esforço para retomar às ori­gens "puras" do partido, mas, em se tratando de PT, não cabe nenhuma ingenuidade: digladiam-se forças para a ocupação dos espaços perdidos pelas lide­ranças mensaleiras e, principal­mente, para salvar as aparên­cias do lulismo, emparedado por denúncias de cama e mesa.

A mais recente manifestação da cúpula petista, a carta convo­catória para o 5. Congresso Na­cional do PT, a ser realizado em 2014, dá uma ideia dessa cri­se. O documento reafirma as li­nhas gerais da defesa do legado de Lula e diz que o ex-presiden­te, assim como o partido, é víti­ma de uma campanha de difa­mação "insidiosa", semelhante à que sofreram os presidentes Getúlio Vargas e João Goulart. O primeiro suicidou-se, em 1954, denunciando "as forças e os interesses contra o povo" que o pressionavam. "Precisam sufocar a minha voz e impedir a minha ação, para que eu não continue a defender, como sempre defendi, o povo e prin­cipalmente os humildes", escre­veu Getúlio, quando se desco­briu que os porões do Palácio do Catete haviam se transfor­mado num mar de lama em que chafurdavam Gregorio Fortunato e a sua quadrilha. Lula não parece inclinado a gesto tão dramático, mas o discurso é o mesmo, como mostra o do­cumento petista: "A verdade é que os donos do poder não acei­tam essa irrupção de pobres na vida social e política do País".

O texto afirma que, graças às "distorções do sistema políti­co", Lula teve de aliar-se ao que há de pior na política brasi­leira, como Samey, Collor e Maluf, para "dar sustentação parla­mentar ao governo". A direção petista argumenta que só as­sim foi possível manter o po­der e enfrentar as elites, que, embora tenham se beneficiado da era Lula, jamais admitiram o "êxito de um nordestino, sem educação formal, como presidente da República". A missão histórica do lulopetis- mo está, portanto, acima de quaisquer considerações éti­cas. Aliás, dissemina-se há al­gum tempo, entre pensadores simpáticos ao PT, a ideia de que a corrupção é intrínseca ao capitalismo e que os pobres, agraciados com a fartura creditícia patrocinada pelo governo petista, não estão nem um pou­co preocupados com os malfei­tos, razão pela qual mantêm seu apoio a Lula e à presidente Dilma Rousseff. O clamor pela ética na política, prossegue a te­se, restringe-se às "elites". O documento petista é claro so­bre isso, ao dizer que "denún­cias sobre corrupção sempre fo­ram utilizadas pelos conserva­dores no Brasil para desestabilizar governos populares".

Antes de chegar ao poder, po­rém, quem utilizava denúncias de corrupção como bandeira política era o PT, cujo líder má­ximo apontou a existência de "300 picaretas" no Congresso. Hoje, sabe-se, o governo petis­ta costuma comprar o apoio desses "picaretas". O documen­to do PT admite que o partido já não é mais o mesmo, pois "perdeu densidade programática e capacidade de mobilização sobre setores que nos acompa­nharam nos primeiros anos de nossa existência". Traduzindo: rasgou suas bandeiras e abando­nou os que acreditavam nelas, distanciàndo-se de sua militân­cia. Admitir isso não é penitên­cia, mas estratégia. A cúpula pe­tista, conforme diz seu texto, acredita que seja necessário re­tomar as discussões programáticas para fortalecer sua "capa­cidade de intervenção na con­juntura", isto é, para pressionar Dilma a atuar com mais firme­za em favor dos interesses do partido. Aqui e ali, militantes têm manifestado descontenta­mento com a presidente por sua suposta leniência em rela­ção à mídia e aos empresários. Portanto, para entender esse movimento interno no PT não se pode esquecer de que a su­cessão de 2014 já começou, que Dilma não é a presidente dos sonhos dos petistas e que Lula precisa de palanque sólido para defender-se e continuar a cons­truir a tal "narrativa petista".