Título: Diário de prisão detalha ligações de Vieira com Rose e ex-adjunto da AGU
Autor: Macedo, Fausto ; Boghossian, Bruno
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/01/2013, Nacional, p. A4

Porto Seguro. Anotações obtidas pelo "Estado" mostram como acusado de integrar esquema que negociava pareceres pretende rebater acusações; ex-diretor da ANA descreve amizade com ex-assessora da Presidência e diz que delator do caso queria ser seu sócio

Isolado no cárcere, Paulo Viei­ra escreveu seu diário. Em le­tras miúdas, rabiscou os primei­ros passos de sua defesa. As ano­tações descrevem minuciosa­mente situações e relaciona­mentos com personagens co­mo Rosemary Noronha, ex-che­fe de gabinete da Presidência em São Paulo, e José Weber Ho­landa, ex-advogado-geral adjun­to da União. Elas revelam um bomem angustiado, que quer ir à Justiça apresentar seus argu­mentos e rebater ponto a ponto a Operação Porto Seguro, da Po­lícia Federal, que lhe confere pa­pel decisivo na suposta trama para compra de pareceres técni­cos de órgãos públicos.

O acusado preencheu metodicamente 16 folhas, frente e verso, quatro delas destacadas de um bloco, e 12 de papel sulfite com canetas de tintas preta, azul e ver­melha - suas únicas companhias na prisão, além da memória.

As frases vão de alto a baixo, sempre aquela escrita espremi­da, uma e outra expressão grifa­da. O ex-diretor da Agência Na­cional de Águas (ANA) flagrado em escutas da PF ficou sob custó­dia de 23 a 30 de novembro.

Os primeiros seis dias ele pas­sou no Complexo Penitenciário da Papuda, em Brasília. Ampara­do em autorização judicial, que reconheceu sua condição de ad­vogado, foi removido para o Regi­mento da Cavalaria da Polícia Militar em São Paulo, onde ficou por 48 horas, até ganhar a liberda­de por decisão do Tribunal Regio­nal Federal da 3.a Região (TRF3).

No quarto dia de reclusão, 26 de novembro, ele recorre aos céus. "Preso. Meu Deus! Piedade Senhor!" Insurge-se contra uma das imputações penais que re­caem sobre ele, por corrupção ativa, artigo 333 do Código Penal. "Trancamento do inquérito. Onde está a participação do 333?"

Registros e reflexões do prisioneiro seguem linha defensiva, não hostiliza ninguém. Confirma relações próximas com o ex-sena­dor Gilberto Miranda (PMDB- AM) e com Rose Noronha, ambos alvos da Porto Seguro. Com ela, ressalta, tem "muitos negócios". Aponta que foi padrinho de casa­mento de Mirela, filha de Rose.

Aqui e ali escreve ser "amigo" ou "muito amigo" de alguns personagens, como Weber Holanda, o ex-número 2 da AGU acusado de facilitar o trâmite de processos que beneficiariam empresas ligadas à organização. "Weber (advogado) - amigo pessoal, co­nheço do tempo em quetrabalhamos no MEC, sempre debate­mos diversas matérias jurídicas."

Dia 25 cita a ministra Izabella Teixeira (Meio Ambiente) ao abordar liberação de um empreendimento portuário de Gil­berto Miranda. "Quem provo­cou o tema foi a ministra do Meio Ambiente." A ministra afir­ma que nunca tratou do projeto do ex-senador e que jamais se en­controu com seus emissários.

Vieira diz que conheceu em 2002 Cyonil Borges, ex-auditor do Tribunal de Contas da União que o delatou. "Ficamos ami­gos." Em outro trecho, escreveu: "O sr. Cyonil tentou s/ sucesso virar sócio meu. (...) Tínhamos plano de ganhar muito dinheiro. (...) Não tendo êxito, virou nos­so inimigo".

À Polícia Federal, Cyonil sus­tenta que Vieira lhe ofereceu R$ 300 mil por um laudo. "Nunca ofereci dinheiro para Cyonil fa­zer parecer", rebate o ex-diretor da ANA, na anotação do dia 27.

Declara amizade com Evangelina Pinho, ex-superintendente da Secretaria de Patrimônio da União, denunciada por favore­cer o grupo. "Mora em imóvel de minha propriedade em Brasília, alugado a ela no 1.° semestre", afirma, no dia 29.

Bens. Em outras páginas, que in­titula "elementos de defesa, o que ouvi do processo", Vieira afirma que os pareceres que redigiu fo­ram solicitados por órgãos públi­cos. "Era muito comum o pessoal pedir minha opinião em proces­sos (...) pela minha experiência." Fala da parceria com o advogado Marco Antonio Negrão Martorelli, a quem a Procuradoria d aRepública atribui função de "testa de ferro jurídico da quadrilha". "Fiz pareceres e estudos para o escritó­rio do Martorelli desde 2008."

O roteiro de defesa nega capta­ção de recursos públicos. Ele afir­ma que jamais enriqueceu nos cargos que ocupou na administra­ção. Descreve seus bens e o período em que foram adquiridos: 2006, casa, três terrenos; 2007, terrenos, sala; 2010 (já na direto­ria da ANA), flat, quatro imóveis (obtidos em leilões).

Incomoda-o as instalações na prisão. "Condição da sala é péssi­ma. Verificar possibilidade de pri­são domiciliar." É dia 30.