Título: Extensão de mandato de Chávez deve lançar país em impasse constitucional
Autor: Lameirinhas, Roberto
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/01/2013, Internacional, p. A8

Com a única certeza de que o presidente Hugo Chávez não comparecerá à cerimônia de posse de seu quarto mandato, líderes do movimento chavista esgrimam argumentos que devem lançar a Venezuela num impasse constitucional a partir da quinta-feira, quando ele deveria ser investido do cargo mais uma vez. No centro da questão está o Artigo 231 da Constituição do país, que esta­belece o dia 10 de janeiro co­mo o fim do atual e o início do próximo mandato judicial.

O vice-presidente e herdeiro político escolhido por Chávez, Nicolás Maduro, vem declaran­do que a posse é apenas uma for­malidade dispensável - uma vez que se trata de um presidente reeleito, autorizado pela Assem­bleia Nacional para tratar de sua saúde em Cuba. Para o presiden­te da mesma Assembleia reelei­to no sábado, Diosdado Cabello, o artigo constitucional abre uma brecha para que Chávez tome posse depois do dia 10, ante o Tribunal Supremo de Justiça.

"A Constituição diz que, se por qualquer motivo que se so­brevenha, o presidente eleito não puder ser juramentado pela Assembleia no dia 10, poderá fa­zê-lo ante o TSJ. Quando? Não diz. Onde? Não diz também. Por­tanto, não há razão para a oposi­ção insistir nesse tema do 10 de janeiro", repetiu Cabello após a reeleição para a presidência do Legislativo.

"Isso (a posse ante o TSJ) se­ria absolutamente inconstitucio­nal", opinou o acadêmico Asdrúbal Aguiar. "O juramento pelo TSJ de um presidente eleito está previsto na hipótese de que algu­ma circunstância impeça a Assembleia Nacional de se reunir, como por exemplo o boicote de seus membros ou a falta de quó­rum".

"Que ninguém tenha dúvida: Hugo Chávez foi eleito (em 7 de outubro) para ser presidente e seguirá sendo o presidente de­pois de 10 de janeiro", discursou Cabello no sábado. "Podem dar a volta que quiserem. Podem pro­curar quem quiserem. Mas o 10 de janeiro não se converterá num instrumento para que a von­tade popular manifestada em 7 de outubro seja violada."

"Se o governo atual, incluindo o vice-presidente e todos os seus ministros, estender seus atos pa­ra depois de quinta-feira, incor­rerá no delito de usurpação de poder", disse ao Estado o advo­gado constitucionalista de Cara­cas Juan Luis Vargas. "Todas as suas ações devem ser considera­das nulas."

"A Constituição não prevê prorrogação do mandato de seis anos", explicou ao jornalde Caracas El Universal o professor Juan Manuel Raffalli, que ensina Direito Constitucional na Universida­de Católica Andrés Bello. Uma das estratégias do governo chavista para legitimar sua tese deve ser recorrer à Sala Constitucional do TSJ, encarregadade dirimir possí­veis dúvidas sobre a Carta de 1999. Como os magistrados do Tribunal são na maioria simpáti­cos ao chavismo, não é difícil pre­ver que eles se decidirão em favor do governo. "Os magistrados terão de levar em conta, no entanto que se fizerem isso estarão distorcendo o texto constitucio­nal e abrindo as portas para uma situação de instabilidade", com­ pletou Raffalli.

A coalizão opositora Mesa da Unidade Democrática (MUD) estava em reunião ontem para decidir como responder às ações do chavismo.

Se seguisse estritamente o ri­to constitucional, a ausência de Chávez na cerimônia de investi­dura de quinta-feira deveria re­sultar na posse como chefe de Estado interino do presidente da Assembleia Nacional - no ca­so, Cabello -, que ficaria encarre­gado de convocar nova eleição a se realizar em 30 dias. Quando anunciou sua partida para nova cinrgia em Cuba, em 8 de de­zembro, o próprio Chávez contemplou esse cenário e pediu aos venezuelanos que votassem em Maduro na eventual nova elei­ção presidencial.

O líder bolivariano foi subme­tido no dia 11 à quarta operação para tentar superar um câncer na região pélvica que ele anun­ciou ter em junho de 2011. Não se sabe ao certo quais órgãos foram afetados pela doença, nem qual a real situação de saúde do presi­dente.

Os vagos comunicados do governo divulgados nos últimos dias informavam que ele tinha sofrido duas complicações pós-operatórias importantes: uma hemorragia e uma infecção pul­monar grave.

Desde a cirurgia, Chávez não enviou diretamente nenhuma mensagem aos venezuelanos e o governo - que admite a "delica­deza" e a "complexidade" da doença - não divulgou nenhuma imagem do líder, sob a alegação de que ele cumpre "repouso ab­soluto".