Título: Eles diziam que sem dinheiro não havia cesariana
Autor: Siqueira, Chico
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/12/2012, Vida, p. A25

Famílias vítimas de médicos que cobravam por cesárias ela-queaduras feitas pelo Sistema Unico de Saúde (SUS) no interior de São Paulo contam que os profissionais se recusavam a fazer os procedimentos se não tivessem o pagamento em mãos. Nesta semana, o Ministério Público Federal pediu a " prisão preventiva de oito médicos envolvidos no esquema.

Um dos casos mais emblemáticos é o da família da diarista Marlene Oliveira Santos Lopes, de 46 anos, que não tinha R$ 1,4 mil para pagar a cesariana da filha, Edna Tatielle Lopes. O neto de Marlene, Dery, só nasceu depois que o MPF determinou ao hospital que fizesse uma cirurgia de emergência. Após esperar durante nove dias, Edna deu à luz um bebê com paralisia cerebral e hidrocefalia.

"Ele deveria ter nascido em 20 de julho, mas só foi retirado no dia 29 - e isso porque recorremos ao MP", conta Marlene. Segundo ela, a gravidez era de risco e havia vazamento de líquido amniótico, mas mesmo assim os médicos recusaram a fazer o parto porque a família não tinha dinheiro para pagar o pacote de R$ 1,4 mil, depois reduzido para R$ 1,2 mil.

"Eles diziam que sem dinheiro não tinha cesariana", contou. Marlene tentou vender a própria casa, mas não encontrou compradores. "Queria salvar meu neto, mas ninguém tinha dinheiro nem para nos emprestar. Quando a família percebeu que não havia outro jeito, a gestante foi internada e o MP, acionado.

Mas o pior só foi descoberto mais tarde. "Os médicos diziam que o bebê estava bem. Mas depois, quando ele já tinha 1 ano, percebemos que não se sentava, não andava. Fizemos uma tomografia e apareceram os problemas." Em 2012, Edna e o marido se mudaram de Jales para São José do Rio Preto para dar um tratamento melhor para Deryc, de 3 anos. "É muito difícil passar pelo que passamos só porque somos pobres."

Pressão. Outra vítima do esquema que funcionava havia 15 : anos em Jales, Urânia e Estrela D "Oeste foi a estudante Joice de Lima Pereira, de 17 anos. "Tentamos de tudo, pedimos muito ao médico, mas ele foi irredutível. Minhafamília fez muita pressão, e quando ele decidiu fazer a cesariana minha filha estava morta", conta Joice, com as roupinhas dà filha, Isadora, sobre a cama.

Joice deu entrada no hospital em 26 de julho, mas só em 1º de agosto os médicos fizeram oparto. "O médico e a enfermeira sabiam que minha filha já estava morta", afirma. "Eu vi quando a enfermeira disse a ele que não ouvia mais o coraçãozinho da minha filha. Eu não entendo por que eles deixaram acontecer isso comigo, não entendo." O médico que atendeu Joyce é um dos que tiveram a prisão pedida. " No caso da camareira Viviane Scotto da Silva, o pagamento de R$ 600 garantiu uma cesariana segura. "O primeiro pacote que me ofereceram era de R$19, mil.

Depois, caiu para R$ 1 mil e mais R$ 1 mil de laqueadura. Mas eu ainda não podia pagar. No final, eles me transferiram para uma cidade vizinha e fizeram a cesariana por R$ 600. Fiquei sabendo que também receberam uma quantia do SUS", conta Viviane.