Título: Democracia venezuelana
Autor: Barbosa, Ruvens
Fonte: O Estado de São Paulo, 08/01/2013, Espaço aberto, p. A2

Para iniciar o seu quarto mandato o presidente Hugo Chávez deveria to­mar posse dentro de dois dias. Está ca­da vez mais evidente, porém, que o presidente venezuelano dificilmente terá condições de voltar de Cuba para, nessa data, prestar juramento perante o Congresso Nacional de seu país. Chávez foi novamente ope­rado de câncer e, segundo as poucas notícias filtradas por au­toridades venezuelanas, seu es­tado é complicado e delicado, em decorrência de infecção pul­monar e insuficiência respirató­ria. A oposição demanda maiores detalhes sobre seu estado de saúde e planeja deslocar-se para Havana. Na ausência de maior transparência, proliferam notícias sobre a incapacidade perma­nente do presidente.

A discussão, hoje, na Vene­zuela é sobre o que deve aconte­cer se Chávez permanecer em Cuba e não tomar posse em Ca­racas. Há vários cenários que po­derão ocorrer nos próximos dias, mas a Constituição é clara, segundo o disposto nos artigos 231,233 e 234.

Se Chávez não puder tomar posse no Congresso no dia 10 de janeiro, a Constituição prevê que o presidente poderia pres­tar juramento diante da Supre­mo Tribunal de Justiça, sem es­pecificar a data ou o local. A reda­ção permite, portanto, interpre­tações: a posse poderia ser reali­zada depois do dia 10 de janeiro? Teria de ocorrer em solo vene­zuelano? Como seu atual man­dato termina no dia 10, quem de­veria governar nesse ínterim? O presidente da Assembleia Na­cional, Diosdado Cabello, e o vi­ce-presidente, Nicolás Maduro, defendem a tese de que a data prevista na Constituição é ape­nas um "formalismo", interpre­tando o final do artigo 231 como que permitindo uma "flexibili­dade dinâmica". Afirmam que a posse pode dar-se em data pos­terior não determinada. A oposição, contudo, diz que o governo atual termina no dia 10 de janei­ro, devendo o presidente da As­sembleia Nacional assumir a presidência, de acordo com o ar­tigo 233.

Se o Congresso, no dia 10, de­clarar Chávez temporariamente ausente, o vice-presidente assu­me a presidência por até 90 dias, prorrgáveis por mais 90 (artigo 234). Isso significa que, depois de seis meses, o Congresso deve decidir se Chávez está ou não permanentemente incapacitado de assumir a presidência. A Constituição prevê que na au­sência temporária o vice-presi­dente assume, mas como Chá­vez ainda não teria ainda toma­do posse, a rigor a imposição de seu atual vice não seria legítima.

Se o Congresso declarar Chá­vez permanentemente incapacitado para assumir a presidência ou se ele morrer antes de 10 de janeiro, o vice-presidente Madu­ro terminaria o mandato que se encerra no final da semana. Em seguida o presidente da Assem-bleia Nacional venezuelana, Diosdado Cabello, assumiria a presidência e novas eleições se­riam convocadas em 30 dias.

Na eventualidade de Chávez assumir em 10 de janeiro e fale­cer em seguida, ou se sua doen­ça forçar o Congresso a declará-lo incapacitado permanente­mente, o vice-presidente assu­me a presidência e novas elei­ções deveriam também ser reali­zadas em 30 dias.

Qualquer que seja a decisão adotada, terá de ter respaldo na Constituição, que prevê as pos­síveis soluções para o caso de vacância de poder, mas não con­templa a extensão do mandato presidencial.

O quadro político na Venezue­la não está claro. As notícias cres­centemente negativas prepa­ram o povo para o desapareci­mento do presidente. O candi­dato derrotado por Chávez na última eleição manifestou-se a favor da flexibilização da data da posse, mas a oposição ameaça levar a interpretação chavista ao Mercosul e à Organização dos Estados Americanos (OEA). Os militares, aparente­mente, apoiariam a decisão que o alto comando chavista vier a tomar. Procurando demonstrar união e evitar rumores de disputa de poder, Maduro e Cabello juraram a Chávez que trabalha­rão conjuntamente e que nada os dividiria, como fizeram am­bos questão de declarar.

Apesar do crescimento da economia, da queda da inflação e do desemprego em 2012, a ex­pectativa é de rápida desacelera­ção da atividade econômica, de desvalorização da moeda e de agravamento dos problemas co­tidianos da população.

O governo brasileiro enviou a Havana o assessor Internacio­nal da Presidência da República, Marco Aurélio Garcia, para se in­formar da real condição médica de Hugo Chávez e, certamente, também dos planos em relação à posse no dia 10. A ida de Marco Aurélio Garcia, e não do chance­ler Antonio Patriota, ou a deci­são de não envolver apenas o em­baixador brasileiro em Havana mostram o grau de preocupa­ção política do governo. Não só pela proximidade e pelas afini­dades de Chávez com Lula e com Dilma Rousseff, mas tam­bém pelas conotações ideológi­cas que dramatizam a questão.

Ainda está presente na memó­ria recente a dura posição adotada pelo governo brasileiro no âm­bito do Mercosul, com a suspen­são do Paraguai do grupo em fun­ção do juízo político do presiden­te Fernando Lugo no Congresso paraguaio, sob o argumento de que houve um golpe e que a Constituição não foi cumprida.

A Venezuela agora é membro pleno do Mercosul. Se Chávez não tomar posse no dia 10 e, na prática, o mandato presidencial for estendido, contra o que dis­põe a Constituição, a cláusula democrática poderá ser invoca-, da e terá de ser apreciada.

Será muito difícil para os paí­ses do Mercosul ou da Unasul apoiarem a posição - que deverá prevalecer- do presidente da As­sembleia Nacional, Cabello, e do vice-presidente Maduro, fa­vorável ao adiamento sine die da posse, com base em interpreta­ção sem respaldo legal.

Depois de reuniões com os principais ministros do gover­no da Venezuela e com parentes próximos de Chávez, que se des­locaram até Cuba, Cabello decla­rou: "Nós sabemos o que fazer".

Nesta altura, Brasília também já deve saber a posição que vai adotar. Não vale parecer da Advocacia-Geral da União, como ocorreu no caso do Paraguai...

PRESIDENTE DO CONSELHO DE COMÉRCIO EXTERIOR DA FIESP, FOI EMBAIXADOR DQ BRASIL EM WASHINGTON