Título: O triste fim da CPI do talião
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/11/2012, Notas e informações, p. A3

O triste fim da Co­missão Parla­mentar de In­quérito (CPI) di­ta do Cachoeira foi anunciado desde o princípio. Em abril, quando foi noticiada sua instala­ção, cumpridas as formalidades burocráticas para tanto, sabia-se que ela tinha tudo para mor­rer pagã como nasceu: sem a simpatia das bancadas de apoio ao governo nem a aprovação dos partidos da chamada oposi­ção. Logo se percebeu, contudo, que ela tinha padrinho forte: o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, respaldado pela presi­dente Dilma Rousseff, que ele escolheu e elegeu para o lugar que deixava, e temido pelos opo­sicionistas por causa de seus as­tronômicos índices de populari­dade. Já então se sabia que o pa­trono faria dela um instrumen­to pessoal de vingança contra um dos políticos comprometi­dos na cadernetinha do bicheiro goiano Carlinhos Cachoeira - o governador tucano de Goiás, Marconi Perillo. Lula nunca es­condeu os ressentimentos guar­dados contra Perillo, que havia tornado público o fato de haver alertado o então presidente pa­ra a compra de votos para apoio ao governo no Congresso, que se tomaria conhecida como o es­cândalo do mensalão. Àquela ocasião, já se conhe­cia a desgraça em que havia caí­do outro desafeto de figurões petistas, o senador Demóstenes Torres (então do Democratas de Goiás), que escondia atrás de seu desempenho de caçador de corruptos a condição de des­pachante de luxo do meliante flagrado pela Polícia Federal (PF) na Operação Monte Cario. Lula não se deixou deter pelas evidências de que uma CPI da­quelas poderia revelar relações espúrias entre altos hierarcas do governo federal e a constru­tora Delta, de Fernando Cavem dish, amigo de todas as horas de um poderoso chefe político aliado, o governador fluminen­se Sérgio Cabral, do PMDB.

Nestes últimos meses, em que Perillo teve sua conexão com o bicheiro influente devas­sada, outros elementos foram sendo acrescentados à retaliação petista. Em nenhum mo­mento a CPI se mostrou inte­ressada em desvendar o propinoduto óbvio da Delta, azeitan­do as engrenagens do poder na máquina pública. Mas não per­deu uma oportunidade de fo­car também personalidades que, de alguma forma, contri­buíram para revelar os malfei­tos da companheirada.

O procurador-geral da Repú­blica, Roberto Gurgel, autor do libelo acusatório do escândalo do mensalão no Supremo Tri­bunal Federal (STF), caiu nes­ta malha grossa por não ter au­torizado a continuação das in­vestigações da Operação Vegas, da mesma PF, que apon­tou os primeiros indícios de li­gação do contraventor com par­lamentares, entre os quais o ci­tado Demóstenes Torres.

Um dos membros da CPI, o senador Fernando Collor, fez o que pôde para desqualificar o trabalho de Gurgel no julga­mento histórico e delatou ou­tro desafeto importante dos an­tigos inimigos petistas, o chefe da Sucursal da Veja em Brasília, Policarpo Junior. A existência do número do telefone de Poli­carpo na memória do celular do bicheiro bastou para que o jornalista, autor de várias re­portagens que desagradaram ao PT, Lula e à cúpula do gover­no Dilma, passasse a ser réu em potencial.

Sem nada ter apurado sobre as evidências da ação nefasta da Delta, o relator governista Odair Cunha (PT-MG) reco­mendou que o assunto seja tra­tado por outra CPI. Ainda as­sim, optou pelo caminho mais cômodo de pedir o indiciamento do proprietário da empresa, que, apesar de considerada inidônea pelo Tribunal de Contas da União, é vice-campeã entre contratados para obras federais.

Na companhia dele e de mais 46 indiciados não estão os go­vernadores ligados à base go­vernista Agnelo Queiroz (PT- DF) e Sérgio Cabral (PMDB- RJ), mas Perillo, Demóstenes, é claro, e o prefeito petista de Palmas, Raul Filho, na certa pa­ra disfarçar a impunidade ga­rantida a outros companheiros e aliados mais poderosos. Poli­carpo foi indiciado pelo relator Odair Cunha por "formação de quadrilha", porque "sabia dos interesses da quadrilha".

O relatório prova que Ca­choeira foi só pretexto. Seu no­me não deveria ter sido invoca­do. O título correto seria CPI do talião: olho por olho, dente por dente.