Título: O escândalo da CPI do Cachoeira
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 21/12/2012, Notas e informações, p. A3

A Comissão Parla­mentar de Inqué­rito (CPI) é uma prerrogativa da minoria no Esta­do Democrático de Direito para evitar que a maioria imponha permanente­mente e discricionariamente sua vontade política nas deci­sões parlamentares. Por meio dela o Parlamento exerce seu poder de fiscalizar atos do Exe­cutivo garantindo a impessoali­dade e a probidade da gestão dos recursos públicos. Na políti­ca nacional, a prática anda bem distante da teoria: as CPIs têm servido, sem exceções notá­veis, de mero instrumento de propaganda de partidos e políti­cos que ganham destaque no noticiário dos meios de comuni­cação sem que haja resultados práticos nas investigações. O caso específico da CPI reunida a pretexto de devassar as ativi­dades criminosas do bicheiro goiano Carlinhos Cachoeira e suas relações espúrias com uma empreiteira de notório fa­voritismo em licitações fede­rais, estaduais e municipais pe­lo País afora e com destacados membros da elite dirigente na­cional foi ainda mais longe na sórdida exibição de desprezo dos representantes do povo pe­lo comezinho respeito aos inte­resses e valores públicos. O descalabro teve início na motivação de sua instalação em abril deste ano. Até os pa­tos que nadam no espelho d"água da Praça dos Três Pode­res estavam informados de que nunca houve interesse em in­vestigar e punir eventuais mal­feitos, para usar expressão po­pularizada pelo lulopetismo. O que a motivou foi o personalís­simo desejo de vingança do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva contra o governador tuca­no de Goiás, Marconi Perillo, que ousara revelar publicamen­te que o informou da compra de apoio das bancadas do Con­gresso a projetos de interesse do governo. Por culpa desse pe­cado, nada de relevante foi re­velado nos testemunhos pres­tados na CPI. A maioria gover-nista, preocupada com a possi­bilidade da exposição de nego­ciatas da construtora Delta, do empreiteiro Fernando Caven­dish, tratou de bombardear quaisquer tentativas da exposi­ção das relações contaminadas entre a empresa e figurões da República e governadores ami­gos, entre os quais o petista Agnello Queiroz e o fluminense Sérgio Cabral, cuja notória inti­midade foi revelada em ban­quetes com o empreiteiro. Nas sessões da comissão a Nação teve oportunidade de ver como uma CPI, convocada para examinar fato determina­do, pode se prestar a ajustes de contas de toda ordem. O sena­dor alagoano Fernando Collor de Mello, por exemplo, em­preendeu todos os esforços pa­ra constranger o procurador-ge­ral da República, Roberto Gur­gel, e cinco jornalistas, entre os quais o editor-chefe e diretor da Sucursal da Veja, revista de­safeta dele e dos petistas que ajudaram a apeá-lo da Presidên­cia. Isso mais a ofensiva contra o governador tucano de Goiás, desafeto pessoal de Lula, deixa­ram para trás as apurações das traquinagens feitas com dinhei­ro público. A primeira versão do relató­rio do deputado petista Odair Cunha (MG), que contemplou esses desvios de finalidade, pro­vocou fortes reações de uma forma tão explícita a ponto de levá-lo á retirá-los do texto fi­nal, com 5 mil páginas ao todo. Essa concessão, contudo, não bastou para que o documento passasse pelo crivo da maioria na última reunião da CPI em 18 de dezembro^ Rejeitado por 18 a 16, numa manobra da oposi­ção com pequenas bancadas in­satisfeitas, ó relatório resumi­do terminou sendo substituído por outro, de apenas uma pági­na e meia, da lavra do deputado Luiz Pitman (PMDB-DF), que cancelou os 40 pedidos de indi­ciamento e, sem apontar ne­nhum responsável pelos deli­tos que deveriam ter sido inves­tigados, se limitou sugerir o en­vio dos dados em poder da CPI ao Ministério Público Federal. Entre mortos e feridos esca­param todos, da Delta do em­preiteiro Fernando Cavendish ao governador tucano Marconi Perillo, alvo da santa ira de Lu­la e motivação iniciai da comis­são. Mas a CPI deixou uma víti­ma oculta: a reputação do Po­der Legislativo, onde é possí­vel relatar-se uma série de es­cândalos em 5 mil páginas, de­pois reduzidas a uma página e meia, sem que os verdadeiros culpados pelas lambanças se­jam indiciados.