Título: Controvérsia sobre posse de Chávez amplia temor de ruptura constitucional
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Fonte: O Estado de São Paulo, 25/12/2012, Internacional, p. A6

As últimas declarações de membros do governo venezue­lano têm aumentado a incerte­za no país, em suspense diante do estado de saúde do presi­dente Hugo Chávez. Para ana­listas, a recusa do presidente da Assembleia Nacional, Dios- dado Cabello, de tomar posse no dia 10, e as declarações do ministro da Defesa, Diego Bellavia, de que o Exército está pronto para "seguir com a con­dução da revolução", am­pliam temores de ruptura constitucional. A Constituição venezuelana de 1999 diz que se o candidato eleito não puder assumir a presi­dência no dia 10 de janeiro se­guinte à eleição, nova votação de­ve ser realizada no prazo de 30 dias. Cabello, porém, insiste na tese de que a data da posse pode ser postergada, sob a alegação de que "o espírito da Constituição" é o do "cumprimento da vontade popular". Constitucionalmente, na ausência de Chávez, o poder deve ser transferido no dia 10 ao presidente da Assembleia - no caso, Cabello.

"O dia 10 de janeiro marca cla­ramente, no Artigo 231 da Consti­tuição, o término de um manda­to e o início de outro", disse ao Estado uma fonte diplomática que tem base em Caracas. "Os costumes políticos da Venezue­la sempre tomaram flexíveis al­gumas regras mais duras, mas, neste caso, não há como dilatar um mandato sem violar a Carta, por mais que se ofereçam inter­pretações distintas."

"Esqueçam da data de 10 de janeiro, senhores. Ela não signifi­ca nada. Há um pontinho na Constituição que indica que, se o eleito não puder tomar posse ante o Legislativo em 10 de janei­ro por motivos de força maior, ele poderá fazê-lo ante o Tribunal Supremo de Justiça. Quando? Não diz. Onde? Não diz onde. Mas o eleito seguirá sendo o presidente. O mandato obtido em 7 de outubro vai até 2019", discursou Cabello no sábado.

"Até aqui, todos os atos do go­verno de Chávez, mesmo os mais controvertidos, contavam com o respaldo da Constituição ou de leis complementares, algo que tornava inúteis as contesta­ções", analisou a fonte diplomática. "Agora, estamos diante de uma perigosa linha vermelha que tornaria o governo extra­-constitucional."

Atese de Cabello, com base na exceção do Artigo 231 que permi­te a posse "perante o Supremo Tribunal de Justiça (STJ)", abri­ria espaço para que Chávez fizes­se o juramento na Embaixada da Venezuela em Havana, na pre­sença dos juizes.

Ainda que não explicitamen­te, a ideia parece ter ganhado o apoio da presidente do Supremo Tribunal, Luisa Estella Morales.

Para o advogado constitucionalista Jose Vicente Haro, da Universidade Católica Andrés Bello, a cúpula chavista - cuja unidade de opiniões tem sido posta em dúvida nos últimos me­ses - estaria manobrando para estender, no Supremo totalmente controlado pelo governo, o atual mandato de Chávez. O que estão fazendo é retirar da As­sembleia Nacional a prerrogativa para debater a sucessão, trans­ferindo-a para o STJ, onde pode­riam, a portas fechadas, decidir os próximos passos", disse.

Lealdade militar. Em outro mo­vimento preocupante, antes de viajar para Cuba, no dia 10, Chá­vez advertiu o comando militar parapossíveis "planos desestabi- lizadores". "O inimigo está à es­preita e qualquer circunstância que ele creia oportuna para lan­çar-se contra a pátria e entregá-la ao imperialismo não será des­perdiçada", disse.

Em resposta, nos últimos dias, integrantes do alto comando mi­litar do país têm jurado lealdade ao presidente e "à revolução bolivariana". .

Após sofrer uma frustrada ten­tativa de golpe de Estado em 2002, Chávez tornou-se um ob­cecado pela lealdade dos milita­res e, com a ajuda de assessores cubanos, implementou sua ideo­logia bolivariana nos quartéis.

Como um elemento a mais de incerteza, pouco se sabe das reais condições de saúde de Chá­vez, além do fato de ele ter sido submetido à quarta cirurgia para combater um câncer pélvico. Há duas semanas ele não emite ne­nhuma mensagem direta. Segun­do o governo, o presidente "se recupera" da cirurgia e de uma hemorragia e uma infecção pul­monar. / Roberto Lameirinhas.