Título: A fonte de novos apagões
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 29/12/2012, Notas e informações, p. A3

Brasil parece con­denado a sofrer com os apagões. No­vas interrupções do fornecimento de energia para exten­sas regiões do País, como as que têm ocorrido com frequência desde se­tembro, podem ser uma das conse­qüências práticas danosas da Medida Provisória (MP) n.° 579, que trata das concessões do setor elétrico e das ta­rifas de energia.

Pelo menos é o que se pode con­cluir das declarações do presidente do Operador Nacional do Sistema (ONS), Hermes Chipp, segundo o quato País precisa "conviver com cer­to nível de risco" no fornecimento de energia por falhas no sistema. Para eliminar todos os problemas, reduzin­do os riscos ao mínimo, segundo ele, seria necessário fazer investimentos em bloco, o que acabaria sendo repas­sado para a conta de luz. Como a tari­fa não pode aumentar em razão da po­lítica instituída pela MP 579, os inves­timentos não serão feitos no volume e no ritmo correspondentes às neces­sidades do País.

Se essa política funcionar, o consu­midor deverá pagar menos pela ener­gia, mas não terá a garantia de forneci­mento regular, uma vez que as con­cessionárias, descapitalizadas, não te­rão recursos para investir no sistema, que continuará sujeito às falhas que provocam os apagões.

Para a presidente Dilma Rousseff, no entanto, as causas dos apagões são outras. Na maioria das vezes, se­gundo ela, as interrupções decorrem de falhas humanas. De fato, a baixa credibilidade do sistema elétrico, que a MP 579 corrói ainda mais, resulta, entre outros fatores, do despreparo dos operadores para agir em casos de emergência.

Reportagem do Estado (24/12) mostrou que, no apagão de fevereiro de 2011, quando oito Estados do Nor­deste ficaram sem luz por horas, ope­radores não sabiam o que fazer, des­conheciam itens essenciais dos ma­nuais de operações e, quando tenta­ram agir em algumas circunstâncias, encontraram portões trancados, apa­relhos fora de operação, disjuntores fechados e orientações discrepantes.

Para o consumidor que fica sem energia, porém, pouco importa saber se a causa foi ou não falha humana. Ele quer um sistema que lhe garanta fornecimento regular de energia. Mas o que se vai constatando na prá­tica é que, ao mudar a regulamenta­ção do setor elétrico com a MP 579, o governo poderá tornar o sistema mais suscetível a apagões, pois as al­terações afetaram não só os investi­mentos futuros, mas também os que estavam em curso.

Gomo noticiou o jornal Valor (19/12), a Alstom, fabricante de equi­pamentos para o setor elétrico, teve congelados R$ 160 milhões relativos à parte que lhe caberia no programa de modernização da Usina de São Si­: mão, da Cemig. Outra reforma sus- | pensa pela concessionária é a da Usi- ; na de Volta Grande, com investi-

mentos previstos de R$ 321 milhões, dos quais R$ 248 milhões em equipa­mentos a serem fornecidos pela Voyth Hydro.

Os planos da Cemig previam inves­timentos de R$ 1,6 bilhão na reforma de usinas nos próximos 15 anos, in­cluindo a de Salto Grande. Todas es­sas usinas entraram em operação há décadas - São Simão em 1978, Volta Grande em 1974 e Salto Grande em *955 - e seus equipamentos já se tor­naram obsoletos. Por isso, precisam ser trocados para que as unidades ga­nhem eficiência e mais potência.

O Brasil necessita de investimen­tos em infraestrutura, como reconhe­ce o próprio governo, razão pela qual não faz sentido interromper progra­mas em execução em um setor-chave, como o de energia hidrelétrica. Mas, como outras concessionárias, a Cemig não se sente em condições de dar garantias aos fornecedores, pois seus dirigentes ignoram qual será o cenário depois de a MP 579 entrar em vigor. "Como não temos segurança de que os próximos investimentos se­rão reconhecidos, eles acabam sus­pensos", disse Wantuil Dionísio Tei­xeira, superintendente da Coordena­ção Executiva para Modernização de Usinas da Cemig.

O problema é de extrema gravida­de e não pode ser resolvido da forma autoritária como o governo tem con­duzido a questão da redução das tari­fas. Este é um item importante para dar mais competitividade à indústria nacional, como pretende o governo, mas é absurdo falar em ganhos de produtividade sem energia suficiente para atender à demanda do País.