Título: Grampo revela como grupo encomendou, revisou e depois festejou texto de parecer
Autor: Macedo, Fausto
Fonte: O Estado de São Paulo, 29/12/2012, Nacional, p. A4

Escutas da Operação Porto Se­guro da Polícia Federal revelam que o grupo acusado de comprar pareceres de órgãos públicos encomendou e teve acesso privilegiado a um docu­mento da Advocacia-Geral da União (AGU) três dias antes de sua publicação. A elaboração do texto, que atendia a interes­ses do empresário e ex-sena­dor Gilberto Miranda, teve a in­fluência do então número 2 do órgão, José Weber Holanda.

Uma série de telefonemas e e-mails interceptados pela PF en­tre 14 e 16 de novembro flagra o momento em que Weber diz ter ""convencido" o consultor-geral da União a redigir parecer que be­neficiaria o grupo. Em outros diá­logos, ele passa dados internos so­bre a elaboração do documento a Paulo Vieira, ex-diretor da Agên­cia Nacional de Águas (ANA), in­tegrante da organização desmon­tada pela Porto Seguro.

O texto a que o grupo teve aces­so com antecedência foi assinado pelo consultor-geral da União, Ar­naldo Sampaio Godoy, e subscri­to pelo advogado-geral da União, Luís Inácio Adams. É datado do dia 17 de novembro. O parecer abriria caminho para que uma em­presa ligada a Miranda recebesse autorização para construir um empreendimento portuário de R$ 1,65 bilhão na Ilha de Bagres, em Santos, litoral paulista.

Os telefonemas gravados pela PF mostram que a quadrilha co­memorou ao receber de Weber a notícia de que o documento seria elaborado pelo consultor-geral.

Os diálogos revelam ainda os bastidores e a rapidez do trâmite dos procedimentos que atendiam aos interesses da organização.

O expediente que abriu cami­nho para o empreendimento de Miranda foi concluído em apenas 48 horas. O consultor-geral despachou um parecer em que direciona à Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), e não à Presidência da República, a competên­cia para decretar a essencialidade ou a utilidade pública do por­to - o que seria necessário para a sua construção.

O documento assinado por Godoy circulou pelos endereços ele­trônicos da organização sob suspeita da PF antes mesmo que ele o despachasse formalmente. Gilberto Miranda recebeu o arquivo e demonstrou satisfação ao perce­ber que os interesses do grupo se­riam atendidos. "Nota 10", ele diz a Paulo Vieira.

Encomenda. Para agilizar a construção do porto, a quadrilha queria que a AGU determinasse que a Antaq seria a responsável por editar um decreto de essencialidade ou utilidade pública pa­ra o empreendimento - medida que permitiria a derrubada de parte da vegetação da Ilha de Bagres.

O grupo acreditava que pode­ria manipular o processo com mais facilidade na Antaq, onde estavam alojados personagens liga­dos diretamente à organização, segundo a PF. Um dos diretores da agência era Tiago Pereira Li­ma, um dos 24 denunciados pela Procuradoria da República, que foi encontrado por policiais fede­rais dormindo no escritório de Gilberto Miranda, em São Paulo.

No dia 14 - portanto três dias antes de o consultor assinar seu parecer - a quadrilha já sabia que os interesses das empresas liga­das a Miranda seriam atendidos.

Às 17h37, José Weber Holanda liga para Paulo Vieira, braço di­reito de Gilberto Miranda. "Con­segui, acho, que convencer meu amigo aqui, Arnaldo, tá?", anun­cia Weber. "Ele levou e diz que vai arrumar", completa.

Paulo responde: "Putz, We­ber, você não sabe como é que me deixa feliz."

Às 17h40, Paulo telefona para Gilberto Miranda. "Tá sentado? Você não sabe da maior. O con­sultor da União se manifestou a favor nosso, tá?" Miranda empol­gou-se; "Notícia boa!"

No dia 16 de novembro, às 16h32, Weber Holanda liga para Paulo comunica que lhe enviou por e-mail uma cópia do parecer do consultor-geral. "Eu quero que você leia, veja se está bom. Está até assinado, já", sugeriu.

Paulo liga para Gilberto Miran­da e o informa sobre o êxito da empreitada. "Pra você aprender a confiar em mim. Eu já tô no meu e-mail, tá vendo? Assinada, bicho. E assinado pelo próprio consultor-geral. Moral da história: aqui já era, viu?"

O ex-senador quer saber de Vieira quando "o outro (Adams) " assina. "O outro não vai questionar, não", responde Paulo. "Ele é o consultor do outro. Segunda­-feira, mas a versão assinada já está comigo. A versão do Arnaldo já despachou. Eu já tenho a versão assinada pelo Arnaldo."

Miranda pede a Paulo que envie a ele o parecer do consultor. Às 19h47, Paulo retransmite o e-mail de Weber, com o parecer de Arnaldo Godoy. Em novo telefonema, Paulo avisa o ex-senador que já enviou o e-mail.

"Você acha que até segunda o homem assina?", insiste. Miranda. "Assina, Gilberto. Ele (Go­doy) é consultor do advogado-geral. O que escreve o advogado assina, tá? A partir de agora nin­guém vai questionar aquilo."

O parecer elaborado pelo consultor-geral abria espaço paraque a Antaq, e não a Presidência da República, editasse o decreto de utilidade pública para beneficiar o porto. Como a ilha é área de preservação ambiental, o ter­reno só poderia sofrer modifica­ções mediante um decreto que atestasse a essencialidade ou a utilidade pública do empreendi­mento a ser construído.

Não há nos autos da Porto Se­guro suspeitas sobre a conduta do consultor-geral da União nem que ele tenha tomado a iniciativa de liberar sua manifesta­ção aos integrantes do grupo.

Em seu parecer, ele afirma taxa­tivamente que "a declaração de essencialidade com efeito de uti­lidade pública", que o empreendi­mento da Ilha de Bagres buscava, tem como objetivo "autorizar a supressão de vegetação" e, por­tanto, "possibilitar a execução de obras em áreas abrangidas pelo bioma Mata Atlântica". O parecer de Godoyfoi chance­lado no dia 19 por Luís Inácio Adams, advogado-geral da União.

A PF ainda apreendeu cinco ofícios de Weber endereçados em tempo recorde a autarquias federais responsáveis pelo caso, naquele mesmo 19 de novembro.

O ex-número 2 da AGU invoca Adams nas correspondências em que manda cópia do parecer 10/2102 ao chefe de gabinete da Agência Nacional de Transportes Aquaviários, à chefe de gabinete do Ministério dos Transportes, à chefe de gabinete do Ministério do Meio Ambiente, à chefe de gabinete do Ibama, e ao chefe de gabinete da Secretaria de Portos.

"Incumbiu-me o exmo. sr. advogado-geral da União de enca­minhar a Vossa Senhoria cópias do parecer 10/2012, bem como do competente aprovo ministe­rial, para conhecimento dessa Pasta", escreveu Holanda. /