Título: Ruralistas argentinos fazem locaute de 24 horas em protesto contra Cristina
Autor: Guimarães, Marina
Fonte: O Estado de São Paulo, 27/12/2012, Internacional, p. A6

Negócios parados. Produtores agrícolas deixam de comercializar de entre 6 mil a 8 mil animais em reação à decisão do governo de expropriar o edificio-sede da Sociedade Rural; líderes do grupo não descartam hipótese de movimento se estender a outros setores

A comercialização de animais para o abate ficou praticamente paralisada ontem na Argentina por 24 horas. Entre 6 seis e 8 mil animais são vendidos por dia, normalmente. Ontem, apenas 1.380 foram comercializados. O locaute é um protesto contra a decisão da presidente Cristina Kirchner de expropriar o edifício da Sociedade Rural, onde funciona o maior centro de convenções do país. O edifício é usado para a exposição anual do setor, grandes eventos, conferências e mostras de outras áreas.

O protesto convocado pela Sociedade Rural da Argentina (SRA) tem o apoio das outras três principais associações representantes dos produtores nacionais: Federação Agrária (FAA), Confederações Rurais (CRA) e Confederação Intercooperativa Agropecuária (Coninagro). Em meio ao locaute, a SRA recebeu uma intimação do governo para desocupar o edifício no prazo de 30 dias, segundo confirmou ao Estado o presidente da instituição, Luis Miguel Etchevehere. "É uma medida de confisco", afirmou.

Ele destacou que os agricultores e pecuaristas argentinos estão sob permanentes represálias desde que a mobilização rural derrotou um projeto de lei do Executivo, em 2008, que tentou fixar um mecanismo de alíquotas móveis para as exportações do setor. O embate naquela época somou pontos para a derrota governista nas eleições parlamentares de 2009. Novas eleições para o Congresso serão realizadas em 2013, ocasião em que os kirchneristas pretendem obter ampla maioria com vistas a sugerir uma reforma constitucional que habilitaria Cristina a candidatar-se a um terceiro mandato.

Irregularidades. A Casa Rosada argumenta que a expropriação do edifício foi motivada por uma investigação judicial que detectou irregularidades na operação realizada em 1991 pelo então presidente Carlos Menem (que governou entre 1989 e 1999), pela qual a SRA deve parte do dinheiro acertado. O Executivo afirma que a SRA pagou um "preço vil", de US$ 30 milhões, pelo terreno de 12 hectares, no coração do bairro Palermo, e deve impostos no valor de 150 milhões de pesos (US$ 30 milhões).

"Não devemos nada. O preço foi estabelecido com base em três cotações distintas e tivemos de assumir o contrato de conservação e restauração dos edifícios históricos, além de construir um moderno centro de convenções", disse Etchevehere.

O líder ruralista informou que o processo que investiga a operação ainda não foi concluído e o governo "não pode tomar uma medida assim, se não há uma sentença". Também é alvo do processso Domingo Cavallo, ex-ministro de Economia de Menem que acusou o governo de divulgar "mentiras" para fundamentar o decreto que ele considerou como "ilegítimo". Em entrevista à imprensa local, Cavallo disse que a medida do Executivo tem um "caráter autoritário e corrupto".

O locaute de ontem não deve afetar o consumidor, mas Etchevehere não descartou a possibilidade de os protestos serem ampliados para outros segmentos. Ele reiterou pedido de audiência ao ministro de Agricultura, Norberto Yauhar, mas não recebeu resposta. O líder fez uma advertência: "Se continuamos sem resposta e com o diálogo fechado, não há outra solução que não seja a de ampliar os protestos."

Divisas. Em 2008, os locautes e piquetes dos agricultores e pecuaristas argentinos se espalharam por todo o país e provocaram um desabastecimento generalizado durante 19 dias. Etchevehere não falou de novos locautes com desabastecimento, nem de piquetes como medidas de força, mas indicou que o setor vai reagir onde afeta mais o governo na exportação. Ele disse que aconselhou o produtor a ser prudente em 2013 e dosar bem as vendas de sua colheita porque o ano será "duríssimo". Sem exportações de soja, o país praticamente não recebe divisas e o mercado de câmbio pressiona o valor da moeda nacional.

Etchevehere confirmou que a instituição apelou à Justiça para anular o decreto. A contribuição La Rural é controlada pela SRA com 50% das ações. Os outros 50% são divididos em partes iguais entre Fénix Entertainment Group e IRSA. Em entrevista ao jornal Página 12, o ministro Yauhar acusou os produtores de "misturar interesses políticos contra a firme decisão do Estado de aplicar uma revisão a uma transação que foi absolutamente prejudicial para o patrimônio da pátria".

O embate entre o governo e o campo poderia piorar. "Creio que muitos produtores agropecuários vão querer se entrincheirar na La Rural", alertou o líder da Província de Entre Ríos, Alfredo de Angeli, que se tornou popular durante a crise de 2008.