Título: 46% dos gastos via cartão corporativo do governo são mantidos em segredo
Autor: Rizzo, Alana
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/01/2013, Nacional, p. A4

Administração. Presidência da República e órgãos oficiais de investigaçao, como Abin e Polícia Federal, são os que mais recorrem ao sigilo de despesas sob o argumento de que as informações são estratégicas para a segurança da sociedade e do Estado brasileiro

Em 2012, ano em que a Lei de Acesso à Informação entrou em vigor, quase metade dos gas­tos com cartões corporativos do governo federal foi mantida em segredo, O argumento é que são informações estratégi­cas para a segurança da socie­dade e do Estado brasileiro.

Entre janeiro e setembro, 46,2% das despesas via cartão fo­ram classificadas como sigilosas - as informações referentes aos me­ses finais de 2012 ainda não foram enviadas pelo Banco do Brasil à Controladoria-Geral da União (CGU) para divulgação no Portal da Transparência do governo.

Ao todo, na administração pú­blica, os portadores dos mais de 13 mil cartões de pagamento do governo espalhados pelo País gas­taram, de forma secreta, R$ 21,3 milhões dos R$ 46,1 milhões pa­gos pelo chamado suprimento de fundos. A maioria é de compras e saques da Presidência da Repúbli­ca, da Agência Brasileira de Inteli­gência (Abin) e da Polícia Fede­ral. Na Presidência, 95% das des­pesas com cartões são sigilosas.

Pela legislação, o uso do cha­mado suprimento de fundos - ou seja, os cartões - não é regra e deve ser usado como exceção e em casos de despesas excepcio­nais ou de pequeno vulto, como compra de material de consumo e contratação de serviços.

A Abin diz que utiliza o cartão de forma "ostensiva" para aten­der às demandas administrativas de 26 superintendências esta­duais vinculadas. O Gabinete de Segurança Institucional, a quem a Abin é subordinada, afirma que os cartões de pagamento são usa­dos em ações de caráter sigiloso em conformidade com a lei.

A Polícia Federal, órgão sub­metido ao Ministério da Justiça, cujos gastos secretos por meio de cartão corporativo são altos, não quis comentar o assunto.

A Secretaria de Administração, responsável pela gestão dos car­tões da Presidência, informou que os cartões corporativos se destinam a atender as despesas eventuais de pronto pagamento e que, por sua excepcionalidade, não podem se subordinar ao pro­cesso normal de empenho. A Vi­ce-Presidência da República, que gastou R$ 537,8 mil com os car­tões, informou que não poderia responder aos questionamentos da reportagem porque seus servi­dores estavam em recesso.

Sem amparo legal específico, a fiscalização das despesas sigilo­sas é compartilhada dentro do governo. Cabe à Secretaria de Gontrole Interno (Giset) da Secretaria-Geral acompanhar os gastos relacionados à Presidên­cia da República, incluindo a Abin. Já as despesas da PF são fiscalizadas pela Controladoria-Geral. No entanto, os relatórios de contas da Ciset e da CGU reve­lam que os órgãos utilizam artifí­cios para burlar o controle e não divulgar os gastos.

Atraso« Os últimos dados dis­poníveis na página da CGU são de setembro. Até a última sema­na, o portal estava desatualizado e divulgava informações referen­te à fatura de maio, um atraso de mais de seis meses na divulga­ção de informações públicas.

O sigilo e a demora na publica­ção dos dados vai na contramão da Lei de Acesso e do compro­misso assinado pela presidente Dilma Rousseff de implantação do projeto Governo Aberto. Du­rante a abertura da 1.a Conferên­cia de Alto Nível Parceria para o Governo Aberto (OGP) em abril do ano passado, Dilma ressaltou o "grande compromisso" do go­verno com a transparência e des­tacou o Portal da Transparência. "O Portal divulga todas as despe­sas do governo federal em base diária e nos mínimos detalhes. Quem acessá-lo nesta manhã ve­rá que todos os gastos realizados até a noite de ontem estão lá ex­postos e configurados."

Em nota, a CGU informou que o Banco do Brasil é o responsável pelo envio dos dados e a Controladoria, pela publicação. O atra­so, segundo o órgão, foi causado por "problemas de ordem técni­ca" ocorridos no processamento das informações no mês de julho, o que prejudicou a atualização dos meses subsequentes. O ban­co alegou que a demora foi provo­cada por mudanças no sistema dos cartões.

Incorporados ainda no gover­no Fernando Henrique Cardoso com o objetivo de diminuir os gas­tos e dar mais transparências às contas, os cartões corporativos provocaram uma crise em 2008. Denúncias de mau uso, incluindo o pagamento de despesas pes­soais e saques sem justificativas, levaram a então titular da Secreta­ria da Igualdade Racial, Matilde Ribeiro, a pedir demissão. Uma CPI foi criada no Congresso. A ex- ministra será secretária adjunta de Netinho de Paula na pasta da Promoção da Igualdade Racial na gestão de Fernando Haddad (PT) na Prefeitura de São Paulo.