Título: Defesa comercial protege empresas monopolistas e onera indústria
Autor: Landim, Raquel
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/01/2013, Economia, p. B1

Levantamento do "Estado" mostra que 73% das sobretaxas antidumping incidem sobre produtos que têm até três fabricantes no País

O ativismo do governo Dilma na política comercial pode se tomar um tiro no pé. Levanta­mento feito pelo "Estado" aponta que 73% das sobreta­xas de Importação em vigor hoje incidem sobre produtos que possuem, no máximo, três fabricantes no País. Em mais da metade dos casos (57%), a defe­sa comercial brasileira prote­ge empresas monopolistas.

A situação se torna mais grave por causa da natureza dos produ­tos protegidos. A maioria é de partes, peças e insumos para a produção industrial. Para espe­cialistas, as medidas de defesa co­mercial perpitem reajustes de preços e elevam os custos das ca­deias produtivas, prejudicando a competitividade da indústria, em vez de incrementá-la.

Um estudo publicado pelo Centro de Estudos de Integra­ção e Desenvolvimento (Cindes) mostrou que 88% das medi­das antidumping aplicadas pelo País desde 2008, quando estou­rou a crise global, até outubro de 2012, incidiram sobre bens inter­mediários, como químicos, side­rúrgicos, plásticos e tecidos.

"Para proteger algumas pou­cas empresas, o governo prejudi­ca várias outras. Se a companhia protegida opera em um setor concentrado, sua capacidade de elevar preço é ainda maior", diz Sandra Rios, diretora do Cindes.

Segundo nota enviada pelo Mi­nistério do Desenvolvimento, "82,3% das importações brasilei­ras são insumos de produção, lo­go é normal e razoável que uma maior quantidade de medidas de defesa comercial se aplique a es­sa categoria". O ministério diz ainda que "os setores petroquí­mico e siderúrgico respondem por 50% das medidas antidum­ping aplicadas no mundo".

A Vicunha Têxtil, por exem­plo, conseguiu tarifas antidum­ping para fios e fibras de viscose produzidos na China, Índia, Indonésia, Tailândia, Taiwan e Áustria. A empresa é a única fabrican­te de fibras de viscose do Brasil e divide com outras duas empre­sas a produção dos fios. Os pro­dutos são utilizados na fabrica­ção de tecido, um insumo importante para milhares de confecções. Procurada, a Vicunha não deu entrevista.

No setor químico, praticamente todas as multinacionais são protegidas por tarifas antidumping. Boa parte das sobretaxas foi aplicada para produtos espe­cíficos em que apenas uma em­presa é a única fabricante no País ou detém a maior parte da produ­ção nacional A reportagem en­controu medidas que benefi­ciam Bayer, Monsanto, Basf, Rhodia e Lanxess.

20 anos. A resina de policloreto de vinila (PVC), usada na produção de tubos, embalagens e cabos, é um caso extremo. Segundo consumidores de PVC, as im­portações estão sujeitas a tarifas antidumping há mais de 20 anos. Empresas do México, EUA, Chi­na e Coreia do Sul pagam sobretaxas que variam de 2,7% a 21,5% para vender no Brasil.

A principal fabricante de PVC do País é a Braskem, controlada por Odebrecht e Petrobrás. Con­forme a assessoria de imprensa da Braskem, a crise provocou um excedente de 4 milhões de toneladas de produção de PVC nos EUA - quatro vezes mais do que o consumo brasileiro. Segun­do a empresa, a tonelada de PVC é vendida por US$ 1,2 mil nos Es­tados Unidos, mas exportada por esse país a US$ 850.

De acordo com José Ricardo Roriz Coelho, presidente da As­sociação Brasileira da Indústria do Plástico (Abiplast), os três principais insumos do setor (PVC, polipropileno e polietileno) estão sujeitos a medidas de defesa comercial. "Nossos con­correntes no exterior compram insumos 40% mais baratos. Isso está matando as empresas da ca­deia", diz Roriz, referindo-se a fabricantes de frascos, cosméti­cos, embalagens e autopeças.

Para Denise Naranjo, diretora de comércio exterior da Associa­ção Brasileira da Indústria Quí­mica (Abiquim), as medidas anti-dumping são legítimas, porque corrigem uma "anomalia". "Sem isso, inviabiliza a produção lo­cal." Denise ressaltou ainda que as investigações seguem as normas da Organização Mundial de Comércio (OMC).

O antidumping, que protege contra a exportação abaixo do preço praticado no país de ori­gem, é o instrumento de defesa comercial mais usado pelo Brasil. Segundo Leani Nadim, pro­fessora da PUC, é importante uti­lizar a defesa comercial para combater práticas desleais, mas faltam critérios para evitar que prejudique a competitividade do País. Ela explica que basta pro­var o preço abaixo do normal e o dano à indústria doméstica para conseguir o antidumping. As re­gras não consideram se a benefi­ciada é monopolista e permitem que as medidas sejam prolonga­das indefinidamente, sem avaliar o impacto nos preços.

Desde o início do governo Dilma, o Brasil se tornou um dos países mais ativos do mundo na aplicação de medidas antidum­ping. Conforme o último relató­rio da Organização Mundial do Comércio (OMC), o País iniciou 27 das 77 investigações abertas pelos países do G-20 entre maio e setembro do ano passado.

Brasil aplica mais antidumping contra os Estados Unidos

As tarifas antidumping sempre foram motivo de desentendimen­tos entre Brasil e Estados Uni­dos, Mas, recentemente, os dois países trocaram de papel Em vez de reclamar das sobretaxas dos americanos, os brasileiros agora têm de se explicar.

Segundo levantamento feito por Diego Bonomo, diretor sênior da Câmara de Comércio dos Esta­dos Unidos, em Washington, o Brasil tem hoje 12 medidas anti­dumping aplicadas contra os EUA, enquanto os americanos impõem 8 sobretaxas contra os produtos brasileiros.

É a primeira vez que ocorre essa inversão. Em 2006, os EUA aplicaram 15 tarifas antidumping contra o Brasil, mas sofreram apenas 4 barreiras.