Título: Berço do Fome Zero não muda com programas sociais
Autor: Portela, Marcelo
Fonte: O Estado de São Paulo, 14/01/2013, Nacional, p. A8

Em Itinga, onde há 10 anos Lula anunciou parte dos moradores vive do Bolsa Família

As gêmeas Raíssa e Raiane Cha­ves tinham apenas 4 anos quan­do foram levadas ao colo do recém-empossado presidente Luiz Inácio Lula da Silva quan­do ele anunciou, há dez anos, a construção de uma ponte para ligar as duas partes do municí­pio de Itinga, no Vale do Jequitinhonha, norte de Minas Ge­rais, Hoje, ao atravessarem a ponte, elas comemoram o cumprimento da promessa - pois já podem ir até o centro da cida­de sem arriscar a vida nas pe­quenas canoas usadas para a travessia. Ao mesmo tempo, no entanto, notam que pouca coisa mudou à sua volta.

Difícil não pensar naquela pon­te como um símbolo de uma dé­cada das políticas de combate à miséria dos governos Lula e Dilma Rousseff, que ampliaram os benefícios de transferência de renda à maioria das famílias mais necessitadas, garantindo alívio imediato, mas que ao mes­mo tempo ainda não aumentou as oportunidades de inclusão so­cial dos beneficiados. Como o Estado mostrou ontem, um es­tudo encomendado pela Christian Aid, instituição de igrejas protestantes do Reino Unido e da Irlanda que financia organiza­ções não governamentais empe­nhadas em combater a miséria, a desigualdade entre os mais ricos e os mais pobres no País ainda é uma das mais altas do mundo e a oportunidade de mobilidade so­cial ainda é muito reduzida.

Com um dos mais baixos ní­veis no índice de Desenvolvimen­to Humano (IDH) no País, Itin­ga, a 642 quilômetros de Belo Ho­rizonte, foi um dos locais escolhi­dos por Lula para levar todo o seu ministério em 2003 para tomar um "banho de realidade", como definiu o então ministro da Casa Civil, José Dirceu. Ali, acompa­nhado do recém-eleito governa­dor de Minas, Aécio Neves (PSDB), Lula anunciou, além da construção da ponte, o início do programa Fome Zero. O progra­ma acabou sendo lançado no mês seguinte em Guaribas, no Piauí.

Mas o benefício - mais tarde substituído pelo Bolsa Família - pouco mudou a vida do lugar. Com seus 14,4 mil habitantes, segundo o Censo do IBGE de 2010, a cidade tem 3.457 famílias inncritas no Cadastro Único do Minis­tério de Desenvolvimento So­cial e Combate à Fome, aptas a receber algum tipo de benefício. Desse total, 2.194 recebem o Bol­sa Família, com benefício médio de R$ 158,43 em outubro do ano passado, mês em que o governo desembolsou R$ 347,6 mil com o programa no município.

Uma dessas famílias é a das gê­meas, chefiada pela mãe, a em­pregada doméstica Maria Cláu­dia Chaves. No seu trabalho ela ganha apenas R$ 150 mensais, renda que é complementada com os R$ 120 do Bolsa Família.

"Antes, agente dependia da aju­da de vizinhos até para comer", lembra Raíssa. A menina observa que "um salário mínimo mudaria a vida" da família, mas nem mes­mo as jovens enxergam perspecti­va de um ganho desses na cidade. Hoje, elas estudam e dizem que freqüentam assiduamente a esco­la - uma das exigências do progra­ma mas garantem que não é ape­nas por causa do benefício. "Te­mos que estudar para ter um futu­ro melhor", pondera Raiane.

As duas fazem parte de um con­tingente de 3.107 pessoas matricu­ladas nas 31 escolas que funcio­nam na cidade. Apesar de serem parte expressiva da população, os estudantes são insuficientes para mudar o perfil educacional de Itin­ga. O Censo de 2000 apontou que 31,02% da população itinguense era analfabeta. Já o levantamento de 2010 mostrou que, das 11.949 pessoas com 10 anos ou mais, 8.767 (73,37%) não tinham nenhu­ma instrução ou só tinham o ensi­no fundamental incompleto.

Esse baixo nível de escolarida­de se reflete na renda da popula­ção, segundo o secretário de Go­verno do município, Marcos Elias Neto. Em 2000, a renda per capita na cidade era de R$328,52. Hoje, esse valor caiu para R$ 314,81. "A prefeitura é a principal empregadora da cidade. E, quem estuda e tem condição, vai embo­ra. Quem não tem condição, fica pelas ruas", observou.

Foi a falta de perspectiva que levou o motorista de ônibus Ro­gério Gusmão, de 46 anos, a tro­car Itinga por São José dos Cam­pos, em São Paulo. Hoje, ele vi­ve entre São José e Recife, mas continua passando pela cidade natal, "apenas por causa dos amigos". Ele não tem como viver em Itinga: "A cidade não ofe­rece nada. Só volto se for apo­sentado, para curtir a vida".