Título: Equilíbrio estrutural do sistema elétrico brasileiro
Autor: Warth, Anne
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/01/2013, Economia, p. B11

Para uma análise qualificada e responsável sobre a condição hidrológica do setor elétrico brasileiro, é importante não confundir a situação atual do sistema, de desequilíbrio conjuntural, com aquela do período de racionamento de energia em 2000/2001, de desequilíbrio estrutural.

Até 2003, cabia ao vencedor da licitação para a exploração de hidrelétricas a obrigação de procurar distribuidoras e consumidores livres - "cargas", para estabelecer contrato de compra de energia de longo prazo (PPAs). Ocorre que, em um sistema com hidrotérmico, vantajosamente, na maior parte do tempo os preços spot - ou PLD - são muito baixos e próximos aos custos de O&M das hidrelétricas, devido à predominância de longos períodos hidrológicos favoráveis. Já nos mais severos, o preço spot cresce rapidamente, embora por pouco tempo.

Caso estabelecessem PPAs com os geradores, as cargas teriam de pagar preços mais altos, próximos à média dos dois períodos; o que não fizeram, preferindo pegar carona nos longos períodos de preços baixos. Sem PPAs, os geradores não puderam obter financiamentos, e a expansão de geração, necessária ao crescimento do mercado, não se concretizou. Também não se expandiram adequadamente termoelétricas e transmissão. Devido a esse desequilíbrio estrutural, sacrificou-se o estoque de água dos reservatórios por vários anos sucessivos, levando ao racionamento de 2000/2001.

A reforma de 2004 veio conduzir, de forma estrutural, a solução: 100% da carga passou a ser contratada no longo prazo; criaram-se leilões de compra de energia para os consumidores cativos; vence-se com o menor preço por kWh; todas as distribuidoras obrigam-se a firmar PPAs com cada vencedor dos leilões; o fluxo de caixa futuro dos geradores garante o financiamento junto aos bancos e ao BNDES. No planejamento da expansão, além do critério base de 5% (na prática, 2 a 3%) para o risco de déficit, igualaram-se os custos marginais de operação e expansão.

O Cepel realizou uma simulação utilizando para o ano de 2013 a mesma série hidrológica que ocorreu em 2000: a Região Sudeste chegaria ao final de 2013 com armazenamento em 50%, em lugar dos 28% de 2000; a Nordeste, com 35%, como em 2000. Com geração térmica adicional, subiria-se para cerca de 90% no Sudeste e 60% no Nordeste.

Por que essa diferença? O sistema hoje apresenta equilíbrio estrutural. Voltou-se a planejar e a expandir a geração e a transmissão compatível com o consumo. Os gargalos na transmissão foram eliminados. Hoje, os 14.000 MW de termoelétricas, contra os 4.300 em 2000/2001, equivalem a um aumento de 60% na capacidade de armazena. mento nos reservatórios das hidrelétricas que, somados aos 3.000 MW previstos para 2013, passaria para 70%, representando significativo aumento na segurança do sistema.

As termoelétricas constituem recurso estrutural importante, que deve ser utilizado sempre que necessário, e de forma plena nos períodos hidrológicos mais severos.

As fontes de geração são utilizadas segundo a ordem crescente de seus custos de operação, onde as hidrelétricas têm custo indireto, associado a eventual escassez de água no futuro. O ONS realiza o despacho baseando-se em modelos de otimização e estatística sofisticados, desenvolvidos e mantidos no estado da arte pelo Cepel, os quais permitem lidar com a inerente incerteza das afluências no futuro. O aperfeiçoamento desses modelos passa por um profundo processo de validação, sem precedentes no mundo, com a coordenação do ONS e da CCEE, e participação do Cepel e rodos os agentes, sob a supervisão da Aneel.

A avaliação conjuntural do desempenho de um sistema com base hidrelétrica é influenciada pelo volume dos reservatórios e, principalmente, pelas afluências nos últimos meses. Além disso, os períodos de maiores e menores afluências, nas regiões SE e NE, ocorrem de dezembro a abril ("úmido"), e de maio a novembro ("seco"). O período úmido é muito mais variável que o seco: uma única semana hidrológica não define a característica do mês, nem este, a do período. E o montante de despacho das térmicas depende da caracterização final do período úmido.

Assim, há que se ter cautela nessa avaliação conjuntural, especialmente nos períodos de transição hidrológica. Maior cautela ainda quando o período úmido não está totalmente caracterizado.

As análises realizadas pelo Cepel, mesmo baseadas nas baixas afluências de dezembro passado, indicam probabilidades altas de vazões bastante superiores à da primeira semana de janeiro deste ano; e coerentes com as análises do ONS, baseadas em previsões climáticas.

O Ministério de Minas e Energia possui hoje instrumentos para monitorar o equilíbrio conjuntural e estrutural entre oferta e demanda, como o Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico - CMSE, o qual aprovou procedimentos para autorizar o ONS a despachar geração térmica adicional por segurança energética.

Em resumo, vivenciamos um período de desequilíbrio conjuntural. Entretanto, com o equilíbrio estrutural alcançado pelo nosso sistema, após a reforma de 2004, além da existência de instrumentos para monitorar o equilíbrio entre oferta e demanda, as perspectivas de racionamento em 2013 são praticamente nulas.

É diretor-geral do Centro de Pesquisas de Energia Elétrica (CEPEL)

--------------------------------------------------------------------------------