Título: Egípcios desafiam lei marcial imposta por Morsi e mortos chegam a 56
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Fonte: O Estado de São Paulo, 29/01/2013, Internacional, p. A8

Crise no Egito. Após cinco dias de turbulência, confrontos entre manifestantes e forças de ordem intensificam-se em Port Said e no Cairo, apesar do estado de emergência decretado por presidente: oposição exige governo de união e revogação parcial da nova Carta

CAIRO

Em desafio aberto ao poder do presidente do Egito, Mohamed Morsi, que no domingo de­cretou estado de emergência, milhares de egípcios voltaram ontem às ruas e enfrentaram com pedras e bombas incendiá­rias as forças de segurança. A onda de distúrbios e repressão já dura cinco dias no Egito e, segundo a agência Associated Press, deixou 56 mortos e cente­nas de feridos.

Os piores confrontos foram re­gistrados na cidade de Port Said, no extremo mediterrâneo do Ca­nal de Suez, onde 45 pessoas mor­reram desde quinta-feira - uma delas ontem segundo autorida­des. No fim de semana, policiais perderam o controle da situação e, ontem, tropas do Exército enviadas às pressas tentavam con­ter os manifestantes. Mas, afir­mando não reconhecer mais a au­toridade de Morsi, opositores continuavam a enfrentar os sol­dados nas mas.

O Cairo também voltou on­tem a ser palco de confrontos en­tre opositores e forças de ordem, principalmente na região da Pra­ça Tahrir. A polícia disparou pro­jéteis de gás lacrimogêneo perto da Ponte Kasr el-Nile, lugar em­blemático do levante egípcio on­de, há dois anos, grupos leais ao ditador Hosni Mubarak usaram camelos para avançar sobre os manifestantes.

Uma combinação de eventos serviu de estopim para a nova cri­se no Egito. Na quinta-feira, em Port Said, a condenação à morte de 21 torcedores envolvidos no massacre no estádio da cidade, em fevereiro, levou milhares às ruas. No dia seguinte, completa­ram-se dois anos do início dos protestos que culminaram na queda de Mubarak, e a data foi marcada com grandes marchas em todo país. E, no sábado, poli­ciais abriram fogo com munição real em Port Said, matando deze­nas, segundo testemunhas.

No domingo à noite, Morsi foi à TV anunciar a imposição do es­tado de emergência - um dos principais instrumentos de re­pressão na era Mubarak - em Suez, Ismailia e Port Said. O de­creto, previsto na nova Consti­tuição, suspende garantias judi­ciais e direitos civis de cidadãos, além de conferir ao Executivo e às Forças Armadas poderes adi­cionais para prender e julgar.

Líderes da oposição egípcia re­jeitaram as ofertas de diálogo de Morsi, dizendo que apenas nego­ciarão depois que ele fizer am­plas concessões e desistir do que chamam de "tentativas de obter o monopólio do poder". A coali­zão Front de Salvação Nacional, que reúne grupos laicos e nacio­nalistas, exige que o presidente, da Irmandade Muçulmana, for­me um governo de união e aceite reescrever parte da Constitui­ção aprovada em dezembro. Se­gundo eles, os radicais islâmicos "sequestraram" a revolta que derrubou Mubarak.

"ContrarrevoLução". Morsi e seu grupo, porém, não preten­dem recuar. Em um pronuncia­mento exaltado, com dedo em riste, transmitido pela TV, o presidente respondeu à crise anun­ciando o estado de emergência com duração de pelo menos 30 dias. Segundo ele, a medida bus­ca "conter o banho de sangue" diante dos protestos e da "contrarrevolução". "Não há espaço para hesitação", avisou.

Ainda ontem, o velório de seis manifestantes mortos em Port Said converteu-se em um violen­to confronto. Dois helicópteros do Exército acompanhavam o cortejo pelas ruas e, com o início dos enfrentamentos, os caixões caíram no chão, deixando os ca­dáveres à mostra - uma grave ofensa. Pneus em chamas blo­queavam avenidas da cidade, en­quanto, em tendas improvisa­das, opositores preparavam co­quetéis molotov.

"O povo quer o Estado de Port Said", gritavam os manifestan­tes diante das barricadas, além de "Abaixo o regime" - o mesmo slogan usado nos protestos con­tra Mubarak.

Os EUA, que até a Primavera Árabe tinham no Egito um de seus principais aliados no mun­do árabe, condenaram a violên­cia. "Instamos a todos os egípcios a se expressarem pacificamente e esperamos que os líde­res deixem claro que a violência é inaceitável", disse o porta-voz da Casa Branca, Jay Carney.