Título: Um ex-presidente encarnado e andarilho
Autor: Duailibi, Julia
Fonte: O Estado de São Paulo, 27/01/2013, Nacional, p. A10

Incapaz de "desencarnar", como prometera, o "Pelé no banco" do PT fará viagens em consonância com Dilma e ainda dará orientações políticas

Em janeiro de 2011, o governo de Dilma Rousseff mal havia começado, e o re- cém-empossado ministro da Secretaria-Geral da Presidên­cia, Gilberto Carvalho, fez uma análise sobre a eleição de 2014: "Temos um curinga. Es­tou dizendo para a oposição: "Calma, não se agitem de­mais. Temos uma carga pesa­da. Não brinca muito que a gente traz. É como ter o Pelé no banco de reservas"".

Como um dos principais aliados do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Carvalho detinha credenciais para traçar prognósticos sobre o petista. A frase foi vista como um recado não só pela oposição, mas pelo PT: Lula pode voltar.

No começo deste ano, as de­clarações de Carvalho come­çaram a ganhar eco entre os petistas, alimentadas por movi­mentações de Lula que, depois das férias de final de ano na casa de um empresário em Angra dos Reis, mergulhou em compromis­sos políticos, alguns deles com forte conotação eleitoral.

Antes de viajar, chamara mi­nistros petistas de Dilma Rous­seff para conversar no Instituto Lula. A Alexandre Padilha (Saú­de) e Ideli Salvatti (Relações Ins­titucionais) deu orientações so­bre o governo. Na segunda sema­na de janeiro, foi à Prefeitura par­ticipar de reunião de Fernando Haddad com secretários, na qual falou quais deveriam ser as prio­ridades da gestão municipal.

Na semana passada, ocupou o noticiário em encontro que pro­moveu com intelectuais sul-ame­ricanos. Aliados também anun­ciaram as viagens que fará pelo País, o que criou uma conexão imediata com as Caravanas da Ci­dadania, promovidas por ele nos anos 90 antes como forma de preparar terreno para a eleição - Lula quer fortalecer o PT no Nor­deste, onde o partido perdeu im­portantes capitais em 2012 para o PSB do governador Eduardo Campos (PE), virtual adversário de Dilma na eleição de 2014.

O petista foi ainda até o Rio visitar obras e se encontrar com o prefeito Eduardo Paes, mos­trando, mais uma vez, relação de proximidade com o PMDB do go­vernador Sérgio Cabral, numa contraposição ao grupo do atual vice de Dilma, Michel Temer.

A agenda pública e a movimen­tação nos bastidores alimenta­ram a tese ventilada por Carva­lho. Diferentemente do que anun­ciara ao deixar a Presidência, Lula não "desencarnara" do cargo. Re­cuperado do câncer na laringe e insatisfeito com os rumos da ges­tão Dilma, prepararia a volta ao Planalto. A campanha seria ainda resposta a denúncias de envolvi­mento no mensalão.

Mas, apesar da movimentação do petista, o PT e o próprio Lula ainda trabalham com o "plano A", que é a reeleição de Dilma.

"Lula sempre foi um andari­lho, fez sua vida na estrada. Este­ve uma época sem sair porque estava doente. Não vai deixar de andar, de dar a posição dele so­bre os assuntos. Ele é uma refe­rência no País", declarou o sena­dor Jorge Viana (PT-AC). "É o jeito dele de fazer política, ele não quer ser candidato", disse o ex-deputado Sigmaringa Seixas.

"A minha vocação é outra. Quero falar com as pessoas", co­mentou o ex-presidente com um parlamentar numa compara­ção entre o que gosta de fazer - leia-se, política - e as palestras, pelas quais, estima-se, ele rece­be pelo menos R$ 100 mil.

Isso, no entanto, não significa que o plano B, o de colocar o "Pelé" em campo, esteja descarta­do. O cenário de Lula candidato em 2014 é admitido pelos aliados do petista, mas somente em caso de forte crise econômica que de­vaste a popularidade de Dilma.

"Ele só será candidato se hou­ver um cataclisma econômico. Senão, não será em 2014, não se­rá em 2018", afirmou um amigo de Lula. "Não há movimentos in­ternos dissidentes ou divergên­cias quanto à reeleição dela. Não vejo um elemento de cisão. Tudo indica que caminha para a reelei­ção. Até este momento é a 1ª es­tratégia", avalia o cientista políti­co Francisco Fonseca (FGV-SP).

A tese da volta do ex-presiden­te é também alimentada pelas "viúvas de Lula", petistas que, sem acesso a Dilma, perderam influência no Planalto, onde a pe­tista costuma manter as portas fechadas para parlamentares.

Críticas. Mais do que uma even­tual candidatura à Presidência, o que está por trás das movimenta­ções de Lula é a insatisfação com os rumos do governo Dilma. Pa­ra ele, Dilma precisa aprimorar a gestão em 2013 para ter uma vitri­ne na campanha de 2014.

O petista acha que o governo sofre de um certo imobilismo e de falta de comunicação com se­tores da sociedade, entre os quais o empresariado. Mostrou-se preocupado com a execução lenta de obras do Programa de Acele ração do Crescimento (PAC), principal marca da atual gestão.

Chegou a expor essas ques­tões em uma conversa com a pre­sidente em Paris, em dezembro do ano passado. Dilma entendeu o recado e, em janeiro, alterou a agenda e passou a receber mais empresários, potenciais doadores de campanha em 2014.

Na sexta-feira passada, am­bos voltaram a se encontrar em São Paulo. Lula queria tra­tar com a presidente das via­gens que fará pelo País, de ma­neira que a agenda seja cumprida em consonância com Dil­ma. No encontro, também es­tava o ministro Guido Mantega (Fazenda), para falar sobre o panorama econômico.

Horas após a conversa com Lula, Dilma fez a lição de casa. Num evento na capital paulis­ta, fez um discurso enfático de defesa da sua gestão. Citou programas sociais e enalte­ceu a política econômica.

"Há uma fidelidade entre criador e criatura", disse Via­na. "Pelo que conheço, jamais será candidato. Ele e Dilma são parceiros. Se for candida­to, será depois da Dilma", afir­mou o deputado Vicentinho.

Numa ação coordenada, Lu­la entrará na articulação políti­ca do governo, área mal avalia­da pelos partidos da base e na qual Dilma é considerada ama­dora. "Ele vai empurrar o go­verno. Vai para cima dos mi­nistros do PT", conta um pe­tista. Lula trabalha para evitar a fragmentação da base, o que preocupa mais o PT hoje do que um eventual fortaleci­mento da oposição. Em 2013, Lula pretende ficar na beira do campo, dando orientações ao time e ameaçando a oposiçao com sua entrada na parti­da. Mas, ainda "encarnado", definirá o jogo apenas 2014.