Título: Calor de segundo mandato
Autor: Traub, James
Fonte: O Estado de São Paulo, 27/01/2013, Internacional, p. A18

Com certeza, Obama pensa em deixar sua marca e um acordo climático seria um bom legado

Barack Obama tem um temperamento cauteloso, mas uma grande imaginação. Isto é, ele define seus objetivos em termos grandiosos, embora esteja preparado para dar muitos passos pequenos para alcançá-los. Por ter assumido o cargo em meio a uma imensa crise financeira, Obama gastou um tempo muito maior do que esperava de seu primeiro mandato para evitar uma catástrofe. Uma combinação de pura urgência, intransigência congressional e as dolorosas lições da experiência - especialmente em política externa - privaram a presidência de Obama de boa parte da exuberância juvenil e ambição que ele um dia teve.

Agora que dá início a um segundo mandato, ele com certeza estará pensando em deixar para a história uma marca condizente com seu senso de destino.

É um truísmo, e possivelmente ver­dadeiro, que presidentes americanos que conquistam um segundo manda­to apostam nos assuntos externos pa­ra deixar seu legado. A política exter­na não requer acordos confusos com o Congresso, e presidentes em segun­do mandato são, em geral, mais confiantes em sua posição no mundo e, por isso, mais propensos a arriscar tudo. Após um primeiro mandato gas­to no confronto com o "Império do Mal", como ele chamava a União So­viética em 1986, o presidente Ronald Reagan reuniu-se na Islândia com o líder soviético Mikhail Gorbachev e esteve perto de firmar um acordo pa­ra eliminar boa parte dos arsenais nu­cleares dos dois países.

O presidente Bill Clinton fez um esforço de última hora para costurar o acordo de paz entre Israel e palesti­nos; o acordo fracassou, mas a mediação pouco menos difícil de Clinton entre Grã-Bretanha e Irlanda do Norte deu certo. A mesma regra não vale por inteiro para o presidente George W. Bush, que era excessivamente confiante em seu julgamento do mundo antes de conhecê-lo e passou boa parte de seu segundo mandato limpando os estragos que fez no pri­meiro.

Obama chegou ao cargo mais preo­cupado com política externa do que qualquer um de seus antecessores. Seus consultores nos diriam que Obama não tinha uma agenda meramente gerencial, mas afirmativa: os princi­pais elementos eram a não prolifera­ção nuclear, mudança climática, corrigir Estados falidos e reconstruir a arquitetu­ra internacional. Ele fez progressos reais em todas as áreas, e recebeu o Prêmio Nobel da Paz, o qual reconheceu que ain­da não merecia. Sua política de "engaja­mento" filtrou parte dos venenos que tinham se acumulado durante a presidên­cia de George W. Bush. E ele matou Osama bin Laden.

Mas o Afeganistão se revelou o atoleiro de Obama; o Irã não deu sinais de desistir de seu programa nuclear ou de implodir por causa das sanções; Obama se viu incapaz de agir diante das amplas atrocidades na Síria; e a aposta do presi­dente de trazer a paz para o Oriente Mé­dio não deu em nada. Se tivesse perdido a eleição, a contribuição mais duradou­ra de Obama para a política de seguran­ça nacional americana certamente teria sido o programa de mortes seletivas com ataques de drones (aviões não tri­pulados) com os quais ele conduziu a guerra ao terror. Não era definitivamente isso que Obama tinha em mente quan­do concorreu à presidência.

Chegou a hora de zerar para o recome­ço de Obama. Ben Rhodes, seu consultor adjunto de segurança nacional, vem realizando reuniões sobre como revitali­zar e repensar a política de engajamen­to, que soa como um primeiro passo mo­desto no caminho do legado.

Há com certeza alguma coisa maior e mais ousada lá na frente. Não têm faltado especulações sobre o tema. A Brookings Institution acabou de publicar um memorando intitulado "Big Bets and Black Swans" (em tradução livre, grandes apostas e resultados imprevis­tos). A primeira das propostas é que o presidente deve "reequilibrar judiciosamente a estratégia de reequilíbrio" na China. Sobregastos com defesa, a Brookings aconselha Obama a "perseguir poupanças relativamente modestas das eficiências adicionais" em vez de "buscar mudanças dramáticas". Em outras palavras, a aposta pequena.

A Brookings oferece algunsbons con­selhos que Obama provavelmente não aceitará (um recomeço diplomático com o Irã, armar rebeldes sírios) e al­guns que ele poderia aceitar (relaxar sanções a Cuba, intermediar disputas no Mar do Sul da China). Reveladoramente, a paz no Oriente Médio, a gran­de aposta favorita de todos os presiden­tes recentes, não está na lista - pela razão muito boa de que as chances de su­cesso são ínfimas. Minha proposta favorita é que Obama prepare e coloque em debate uma doutrina para o uso de no­vas armas, sobretudo, os drones, como os presidentes Harry Truman e Dwight Eisenhower tentaram fazer com a bom­ba atômica. Se os drones vão ser parte do legado de Obama, então também de­veria ser o estabelecimento de um arca­bouço regulatório e legal, doméstico e internacional para seu uso.

Tenho também uma proposta pes­soal modesta: um acordo climático com a China. A mudança climática é um pro­blema mais urgente do que a prolifera­ção nuclear. Obama está perfeitamente inteirado sobre o tema, assim como John Kerry, seu praticamente confirma­do secretário de Estado.

Clima. O furacão Sandy foi um mo­mento seminal, tendo algo do efeito so­bre a opinião pública que a chacina na escola de Sandy Hook teve sobre o con­trole de armas; esperem alguns meses e mais calamidades pressionarão ainda mais a opinião pública. Os Estados Uni­dos e a China, quejuntos produzem qua­se ametade das emissões globais de dió­xido de carbono, são a chave para resolver o problema.

O Congresso recusou-se a dar passos sérios enquanto os principais países emergentes - sobretudo a China - não o fizerem, mas a inércia americana ofere­ce um pretexto indispensável para a he­sitação chinesa. Um não quer se mexer se o outro não o fizer.

Ao mesmo tempo, há uma grande ativi­dade, em ambos os lados, tanto ao nível do setor privado quanto do setor estatal. A Califórnia tem um sistema de limita­ção voluntária e transações com direitos de emissão, enquanto nove Estados do nordeste do país concordaram em redu­zir as emissões de suas usinas de eletrici­dade. Na China, seis províncias lançaram programas pilotos de redução volun­tária e negociação de direitos. Há mais progressos "de baixo para cima" que "de cima para baixo"em ambos os países. Um acordo climático poderia coordenar e acelerar esse progresso.

William Antholis, um ex-negociador de comércio e clima do presidente Clinton que estána Brookings, suge­re agora como "barra de salto a meia altura" um arcabouço bilateral que promoveria a cooperação entre os doispaíses em níveis estaduais e pro­vinciais, além de programas conjun­tos sobre padrões de emissões de veículos, tecnologia de gás natural, pes­quisa de energias alternativas, etc. Tal pacto poderia incluir metas espe­cíficas de redução de emissões ou melhorias na "intensidade energéti­ca" - emissões por unidade de ener­gia.

Não é desses passos modestos, con­tudo, que se fazem os legados. E estaremos vivendo em um mundo muito quente quando essas medidas derem seus plenos resultados. Segundo Antholis, a "barra elevada" seria um acordo conjunto para impor um im­posto sobre o carbono.

Isso poderia se contrapor ao efeito da crescente produção americana de petróleo e gás, tornando as medidas de conservação e uso de fontes alternativas de energia mais atraentes (ou­tra das "grandes apostas" da Brookings, aliás).

E, claro, se aplicaria a cada país e não apenas a Estados e províncias particulares. Pode não haver outra maneira de reduzir as emissões glo­bais com velocidade suficiente para evitar alterações catastróficas no meio ambiente. Isso teria o benefício adicional de proporcionar um senso de propósito comum e interesse co­mum às contenciosas relações dos EUA com a China.

Assim como Pequim certamente não se comprometerá até que Wa­shington o faça, o Congresso quase certamente terá de aprovar tal medi­da para a China assinar.

Os republicanos insistiriam em que tal medida seja neutra em maté­ria de arrecadação, ou seja, que ela teria de ser compensada por um cor­te de impostos e, com isso, não pode­ria ser usada, por exemplo, para se investir no desenvolvimento de ener­gias alternativas. Mas isso é contra­producente: o povo americano, co­mo eu já disse, aceitará medidas sé­rias sobre mudança climática como uma oportunidade de crescimento e mudança ousada, e não como um sa­crifício ou punição.

A mais alta das barras de salto eleva­das seria, portanto, um acordo com a China, trazendo consigo um imposto sobre carbono e investimentos no­vos.

Isso requereria uma poderosa di­plomacia tanto em casa quanto no exterior - embora agora que estamos no tema do legado, é difícil imaginar um mais duradouro para o secretário Kerry. Tanto Kerry quanto Obama desejarão, de fato, fazer uma grande aposta em algum lugar. Eu digo, va­mos esperar mais alguns furacões e secas, e aí, mãos à obra.

* É BOLSISTA NO CENTER ON INTERNATIO­NAL COOPERATION