Título: Licitação do Enem será dispensada, diz presidente do Inep
Autor: Saldaña, Paulo
Fonte: O Estado de São Paulo, 27/01/2013, Vida, p. A21

Costa afirma que, para garantir a segurança do exame, será utilizado o mesmo consórcio de edições anteriores

O Instituto Nacional de Estu­dos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) não abri­rá licitação para contratar a em­presa responsável pela realização do Exame Nacional do Ensi­no Médio (Enem). Por ques­tões de segurança, o órgão utili­zará neste ano o mesmo consór­cio, o Cespe-Cesgranrio, cujo contrato ainda está em vigor e poderá ser prorrogado.

A afirmação é do professor mineiro Luiz Cláudio Costa, que daqui a 12 dias vai comple­tar um ano na presidência do Inep, com uma marca que seus três antecessores não consegui­ram: garantir uma realização do Enem sem falhas. Desde 2009, quando o exame virou vestibu­lar nacional, graves erros se repetiram, para desespero de estu­dantes de todo País.

Em 2012, as coisas funciona­ram. Costa insiste que tudo "foi um processo" necessário - que, diga-se, não saiu barato aos co­fres públicos brasileiros. Refu­tando a alcunha de "presidente do Enem", o professor lembra que o Inep, órgão do Ministério da Educação (MEG), tem ou­tras responsabilidades. E gran­des. "Em poucos países existe uma autarquia capaz de elabo­rar e fazer." A afirmação coexis­te com a crítica de que o institu­to deixou de lado sua vocação inicial de produzir pesquisas. O Inep também é responsável, por exemplo, pelo Exame Na­cional de Desempenho de Estu­dantes (Enade), Prova Brasil e censos educacionais.

A seguir, trechos da primeira entrevista que Costa concedeu desde que se tornou presidente do Inep:

• Depois de três anos de falhas, qual o balanço do Enem de 2012?

Nós vemos como um processo. Tínhamos desafios, verificamos onde tínhamos de atuar e fo­mos aprimorando. Trabalha­mos para dar segurança ao participante desde a inscrição. Sabe­mos da importância disso na vi­da dele. O Enem é um avanço para o Brasil. Para que tenha­: mos educação inclusiva, de ex- 1 celência, o acesso é fundamen­tal, e isso exige um sistema na­cional. Hoje um jovem de qual­quer parte do Brasil tem 129 mil vagas para escolher no Sisu (sis­tema de seleção unificado com base na nota do Enem). Inverte a lógica que existia antes no vestibular. Ele tem a nota e, se não der na primeira tentativa, pode pro­curar uma vaga semelhante.

• Qual foi o principal desafio no ano passado?

Acho que avançamos no aspec­to logístico e pedagógico. Au­mentamos de 1,4 mil para mais de 3,6 mil os itens de verificação de segurança. Mas, entre as prio­ridades, com certeza era funda­mental o banco de itens (ques­tões pré-testadas). Trabalhamos forte com as instituições, conse­guimos grande avanços. É o ali­cerce nos exames internacio­nais e no Brasil não é diferente.

• Qual é 0 tamanho do banco de itens? Está dentro do ideal?

Nós e o mundo inteiro somos reticentes quanto a essa infor­mação. Estamos bem, mas am­pliando e vamos continuar. Te­mos de tratar com cuidado, pa­ra a segurança do sistema.

• Como vai ser a contratação do próximo Enem?

Da mesma forma, com o mes­mo órgão (o consórcio Cespe-Cesgranrio). Pela construção do processo tem de ter as institui­ções com expertise, seriedade e condições de conduzir. Porque não é fácil fazer o Enem.

• Mas o contrato estava vincula­do à realização de exames a um número de candidatos que já foi ultrapassado. E o Tribunal de Contas da União (TCU) sugeriu licitação ou rodízio de empresas.

O contrato está em vigor e po­demos prorrogar. Temos um ex­celente diálogo com os órgãos de controle e fizemos nossa ma­nifestação ao tribunal. Estamos mostrando que o risco que o País corre é muito grande (em caso de rodízio). Existe essa ex­pertise e especificidade do exa­me e, dentro da transparência, a lei nos faculta a licitação.

• O número de inscritos cresce a cada ano. Vai provocar reflexo no custo para a realização?

Se pensar na escala e no custo por aluno do Enem, comparan­do com vestibulares isolados, estamos fazendo uma grande economia para o País. É preciso que aumente cada vez mais a se­gurança, mas não pode implicar em aumento de custos.

• Como o senhor vê as críticas à correção da redação?

Quando comecei a olhar para a redação, vi que o Brasil não esta­va gerando conhecimento na área havia mais de dez anos. En­tão fizemos edital de R$ 2 mi­lhões para pesquisar correção. E estamos pensando na questão estruturante. Tivemos um TAC (Termo de Ajustamento de Condu­ta) com o Ministério Público pa­ra mostrar a redação. Os textos foram corrigidos com zelo. O número de ações judiciais foi pequeno, ficamos tranqüilos.

• A divulgação dos resultados do Enem por escola, tão criticada por especialistas, será mantida?

O ranqueamento não tem senti­do, não é feito por nós. Mas é na­tural que a sociedade e a impren­sa busquem isso. Mudamos algu­mas coisas, criando critério pelo número mínimo de participan­tes por escola para divulgar. Tam­bém não fizemos média soman­do a redação, porque elas não são medidas pela TRI (teoria que calcula a nota da prova) e o aluno não recebe média. Tudo foi discutido, mas vamos aprimorar.

• Quando as escolas terão mais ferramentas para usar os resulta­dos do Enem?

Trabalhamos intensamente nis­so. A essência do Enem é a capa­cidade de dialogar com o ensi­no médio. Vamos ter o mapa de itens daquela escola, que vai sa­ber as médias dos estudantes por área e a escala por compe­tências. As escolas vão receber isso no início deste ano.

• O Inep vai substituir o Saeb, avaliação amostral do 3º ano do ensino médio, pelo Enem?

Fizemos estudos e debates, es­tá na pauta para decisão. Há ar gumentos favoráveis, mas preci­samos fazer com que haja diálogo para avaliar o que o ensino médio acha que é importante. Tivemos por muitos anos um ou dois vestibulares que organi­zavam o currículo.

• Com tantos desafios no Enem, o Inep esqueceu sua vocação inicial, de produção de estudos?

Em poucos países existe uma autarquia capaz de elaborar e fa­zer. Temos a logística, mas tam­bém fazemos os itens, pensa­mos as matrizes, parâmetros. Mesmo que tenha causado pe­quenos atrasos, o Brasil ganhou muito, como o censo da educa­ção superior e básica, por exem­plo. Hoje sabemos por CPF onde está cada estudante.

• O Inep tem microdados de sua avaliações, com informações socioeconômicas, mas não transfor­ma em estudos mais qualitativos. Vai haver avanços?

Precisamos ampliar o diálogo com a sociedade e instituições pa­ra ter esses estudos, que são fun­damentais. Teremos mais 140 pessoas no Inep. Tínhamos ne­cessidade para fazer isso (esses es­tudos). Temos muitas demandas e a ampliação de pessoal será fun­damental para esse passo importante. É nosso desafio transfor­mar dados em informações e de­pois em conhecimento. Muitas vezes, paramos na informação.

• Mudanças recentes no Enade causaram reclamação das insti­tuições particulares. Como isso foi recebido?

É natural o debate, mas nosso compromisso é com educação de qualidade. Temos de ter ava­liação indutora de melhoria. Percebemos que queríamos induzir uma situação com profes­sores em tempo integral e mais professores doutores.

• Há críticas sobre impor esses parâmetros por não levar em con­ta instituições com outra propos­ta ou sem condições de manter essas exigências. É ideal avaliar todos da mesma forma?

Temos de ter uma avaliação úni­ca, para saber que uma determi­nada região tem problemas de fixação de doutores e, assim, pensar em políticas públicas. Estamos carregando muito ago­ra (na avaliação) no Plano de De­senvolvimento Institucional, o PDI, implementado em 2012. Ele vai me permitir ver faculda­des isoladas com trabalho belís­simo em dois cursos, que são importantes para a região.

QUEM É

* Luiz Cláudio Costa assumiu o Inep depois da saída de Malvina Tuttman, em 2012. Antes, era secretário do Ensino Supe­rior do Ministério da Educação (MEC). Costa é filiado ao PT e professor da Universidade Fe­deral de Viçosa (UFV) desde 1983, no Departamento de En­genharia Agrícola. Possui PhD em Meteorologia Agrícola pe­la Universidade de Reading, na Inglaterra. Também já foi reitor da UFV.